– por John Pilger
Agosto
10, 2010 in Hiroshima, Internacional,
John Pilger, Sociedade |
Tags: desinformação,
EUA, guerra,
hiroshima,
interesses
obscuros, Manipulação,
mentira,
nuclear
No aniversário do
lançamento da
bomba atómica sobre Hiroshima, a 6 de Agosto de 1945, John
Pilger descreve a
‘sucessão de mentiras’ desde a poeira daquela cidade destruída
até às guerras
de hoje – e à ameaça do ataque ao Irão.
Quando
fui
a Hiroshima pela primeira vez, em 1967, ainda ali se encontrava
a sombra
nos degraus. Era uma imagem quase perfeita de um ser humano
descontraído: as
pernas esticadas, as costas dobradas, uma mão na cintura,
enquanto estava ali
sentada à espera que o banco abrisse. Às oito e um quarto da
manhã de 6 de
Agosto de 1945, ela e a sua silhueta ficaram gravadas a fogo no
granito. Fiquei
a olhar para aquela sombra durante uma hora ou mais, depois
desci até ao rio e
encontrei um homem chamado Yukio, que ainda tinha gravado no
peito o padrão da
camisa que vestia quando caiu a bomba atómica.
Ele
e a sua família ainda viviam numa cabana enterrada na poeira de
um deserto
atómico. Descreveu um gigantesco clarão sobre a cidade, “uma luz
azulada, como
um curto-circuito eléctrico”, depois do que soprou um vento como
um tornado e
caiu uma chuva negra. “Fui atirado ao chão e só reparei que os
pés das minhas
flores tinham desaparecido. Estava tudo calmo e silencioso e,
quando me
levantei, as pessoas estavam todas nuas e não diziam uma
palavra. Algumas delas
não tinham pele, outras não tinham cabelo. Tive a certeza de que
estava morto”.
Nove anos depois, quando lá voltei e o procurei, ele tinha
morrido com
leucemia.
Imediatamente
depois
da bomba, as entidades aliadas de ocupação proibiram qualquer
referência
ao envenenamento por radiações e afirmaram insistentemente que
as pessoas
tinham morrido ou sofrido danos apenas pela explosão da bomba.
Foi a primeira
grande mentira. “Não há radioactividade nas ruínas de
Hiroshima”, dizia a
primeira página do New
York
Times, um clássico da desinformação e da
subserviência
jornalística, que o repórter australiano Wilfred Burchett
denunciou com o seu
‘furo’ do século. “Estou a escrever isto como um alerta a todo o
mundo”,
noticiava Burchett no Daily
Express,
quando chegou a Hiroshima depois de uma perigosa
viagem, o
primeiro correspondente que se atreveu. Descreveu salas
hospitalares cheias de
pessoas que não tinham ferimentos visíveis mas que estavam a
morrer duma coisa
a que ele chamou “uma peste atómica”. Por ter contado esta
verdade,
retiraram-lhe a credencial de imprensa, foi ridicularizado e
caluniado – e
inocentado.
A
bomba atómica de Hiroshima foi um acto criminoso a uma escala
épica. Foi um
assassínio de massas premeditado que pôs à solta uma arma de
criminalidade
intrínseca. Por causa disso, os seus defensores refugiaram-se na
mitologia da
suprema “guerra boa”, cujo “banho ético”, conforme Richard
Drayton lhe chamou,
tem permitido ao ocidente não só desculpar o seu sangrento
passado imperial mas
promover 60 anos de guerra de rapina, sempre à sombra de A
Bomba.
A
mentira mais duradoura é que a bomba atómica foi lançada para
acabar com a
guerra no Pacífico e salvar vidas. “Mesmo sem os ataques das
bombas atómicas”,
concluiu o Strategic Bombing Survey dos Estados unidos, em 1946,
“a supremacia
aérea sobre o Japão podia ter exercido pressão bastante para
provocar uma
rendição incondicional e evitar a necessidade de invasão. Com
base numa
investigação pormenorizada de todos os factos, e apoiada pelo
testemunho dos
lideres japoneses sobreviventes envolvidos, é opinião do Survey
que … o Japão
se teria rendido mesmo que não tivessem sido lançadas as bombas,
mesmo que a
Rússia não tivesse entrado na guerra e até mesmo se não tivesse
sido planeada
ou contemplada qualquer invasão”.
Os
Arquivos Nacionais de Washington contêm documentos do governo
dos EUA que
representam em gráfico as tentativas de paz japonesas já em
1943. A nenhuma
delas foi dado seguimento. Um telegrama enviado em 5 de Maio de
1945 pelo
embaixador alemão em Tóquio e interceptado pelos EUA dissipa
todas as dúvidas
de que os japoneses estavam desesperados para suplicar a paz,
incluindo
“capitulação mesmo que as condições sejam pesadas”. Em vez
disso, o secretário
americano da Guerra, Henry Stimson, disse ao presidente Truman
que tinha
“receio” de que a força aérea americana “bombardeasse” o Japão
de tal modo que
a nova arma não pudesse “mostrar a sua força”. Posteriormente
reconheceu que
“não tinha sido feita nem considerada qualquer tentativa para
conseguir a
rendição apenas para não ter que utilizar a bomba”. Os seus
colegas da política
externa estavam ansiosos “por intimidar os russos com a bomba
que trazíamos
bastante ostensivamente à cintura”. O general Leslie Groves,
director do
Projecto Manhattan que fez a bomba, testemunhou: “Nunca tive
qualquer ilusão de
que o nosso inimigo era a Rússia e que o projecto foi orientado
nessa base”. Um
dia depois de Hiroshima ter sido arrasada, o presidente Truman
manifestou a sua
satisfação pelo “êxito esmagador” da “experiência”.
Desde
1945,
pensa-se que os Estados Unidos estiveram à beira de usar armas
nucleares
pelo menos três vezes. Ao travar a sua fictícia “guerra contra o
terrorismo”,
os actuais governos de Washington e de Londres declararam estar
preparados para
fazer ataques nucleares “preventivos” contra estados não
nucleares. A cada
avanço para a meia-noite de um Armagedão nuclear, as mentiras de
justificação são
cada vez mais escandalosas. O Irão é a actual “ameaça”. Mas o
Irão não tem
armas nucleares e a desinformação de que está a planear um
arsenal nuclear
provém sobretudo de um grupo da oposição iraniana, o MEK,
patrocinado por uma
CIA desacreditada – tal como as mentiras sobre as armas de
destruição maciça de
Saddam Hussein tiveram origem no Congresso Nacional Iraquiano,
montado por
Washington.
O
papel do jornalismo ocidental em levantar este espantalho é
fundamental. Que a
Defence Intelligence Estimate da América tenha dito “com toda a
confiança” que
o Irão desistiu do seu programa de armas nucleares em 2003, foi
remetido para o
buraco do esquecimento. Que o presidente do Irão, Mahmoud
Ahmadinejad, nunca
tenha ameaçado “varrer Israel do mapa” não tem qualquer
interesse. Mas tamanha
tem sido a mística lenga-lenga dos meios de comunicação deste
“facto” que, na
sua recente representação subserviente perante o parlamento
israelense, Gordon
Brown aludiu a isso, quando mais uma vez ameaçou o Irão.
Esta
progressão
de mentiras conduziu-nos a uma das mais perigosas crises
nucleares
desde 1945, porque a ameaça real mantém-se quase impossível de
referir nos
círculos governamentais ocidentais e portanto nos meios de
comunicação. Há
apenas uma potência nuclear desenfreada no Médio Oriente e é
Israel. O heróico
Mordechai Vanunu tentou alertar o mundo em 1986 quando forneceu
provas de que
Israel estava a construir 200 ogivas nucleares. Desafiando as
resoluções das
Nações Unidas, Israel está actualmente ansiosa por atacar o
Irão, com receio de
que uma nova administração americana possa, apenas possa,
efectuar genuínas
negociações com uma nação que o ocidente tem caluniado desde que
a Grã-Bretanha
e a América derrubaram a democracia iraniana em 1953.
No New
York Times de 18 de Julho,
o historiador israelense Benny Morris, outrora considerado um
liberal e
actualmente consultor da instituição política e militar do seu
país, ameaçou
“um Irão transformado num deserto nuclear”. Isso seria um
assassínio de massas.
Para um judeu, é uma ironia gritante.
Impõe-se
a
questão: vamos nós todos ser meros espectadores, afirmando, como
fizeram os
bons alemães, que “nós não sabíamos”? Vamos esconder-nos cada
vez mais por
detrás do que Richard Falk designou por “uma cortina
legal/moral, beata, de uma
só face” [com] imagens positivas de valores e inocência
ocidentais, apresentada
como estando ameaçada, validando uma campanha de violência
ilimitada”? Está
outra vez na moda apanhar criminosos de guerra. Radovan Karadzic
está no banco
dos réus, mas Sharon e Olmert, Bush e Blair não estão. Porquê? A
memória de
Hiroshima exige uma resposta.
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