segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Cuba rumo a mudanças


Frei Betto


Cuba marcou para abril deste ano o VI Congresso do   Partido Comunista. Isso significa mudanças profundas no país. Um  documento  preliminar – Projeto de Orientações da Política Econômica  e Social –,  divulgado em novembro, agora é debatido pela  população.
A situação econômica cubana é crítica,  agravada  por fatores externos: crise econômica mundial, que reduziu as  vias de  financiamento externo; redução do preço das exportações em  15%;  recrudescimento do bloqueio econômico imposto pela Casa Branca.  Hoje, o  principal “produto” de exportação de Cuba é a prestação de  serviços, em  especial na área da saúde.
Fatores climáticos influem também na   deterioração da economia: 16 furacões, entre 1998 e 2008, causaram  prejuízos  no valor de 20,5 bilhões de dólares (metade do PIB), e foram  consideráveis as  perdas em decorrência das secas de 2003, 2005 e nos  dois últimos  anos.
Some-se a isso a dívida externa, a baixa   eficiência laboral, a descapitalização da base produtiva e da  infraestrutura,  e o envelhecimento populacional, agravado pelo  reduzido índice de  natalidade.
Como saída para a crise, o documento  propõe o  fim da libreta de abastecimento, cujos produtos são   subsidiados, compensado por aumento salarial; cultivar terras ociosas  (a  ociosidade atinge 50% das terras agricultáveis); reestruturar o  sistema de  empregos, de modo a reduzir o paternalismo estatal e  ampliar o leque de  iniciativas não estatais; aplicar política salarial  mais rigorosa, eliminando  subsídios pessoais  excessivos.
Prevê-se ainda diminuir a dependência  de produtos  importados e diversificar as exportação de bens e  serviços; buscar novas  fontes de financiamento para recapitalizar o  sistema produtivo do país;  abrir-se ao capital estrangeiro; e eliminar  a dupla moeda. Hoje, os cubanos  dispõem de pesos e, os turistas, de  CUC, o peso conversível. São necessários  24 pesos para se adquirir 1  CUC, cotado a US$ 1,25.
Apesar das dificuldades, aos 11 milhões de cubanos o   Estado assegura os três direitos fundamentais: alimentação, saúde e  educação.  Cuba não intenciona retornar ao capitalismo. O documento  enfatiza que “só o  socialismo é capaz de vencer as dificuldades e  preservar as conquistas da  Revolução, pois a atualização do modelo  econômico primará pela planificação e  não pelo  mercado.”
Cuba é uma nação que se destaca pela  solidariedade  internacional. De 1961 a 2009 diplomaram-se na ilha,  gratuitamente, 55.188  jovens de 35 países, dos quais 31.528 de nível  universitário. Hoje, há 29.894  bolsistas estrangeiros em diferentes  especialidades, dos quais 8.283 cursando  a Escola Latino-Americana de  Medicina (inclusive centenas de brasileiros, que  ainda não tiveram  seus diplomas revalidados em nosso país).
Prestam  serviço, em 25  países, 1.082 educadores cubanos. O método de alfabetização de  Yo  si, puedo, já habilitou à leitura 4.900.967 adultos de 28 países e   erradicou o analfabetismo na Venezuela, na Nicarágua e na Bolívia.  (Inclusive  ensinou Tiririca a ler).
Na área da saúde, Cuba atua em 78 países,  com 37.667 colaboradores, dos quais 16.421 são  médicos. A Operação  Milagro, iniciada em 2004, já atendeu  gratuitamente, em quase toda a  América Latina, cerca de 2 milhões de  pacientes com problemas oftalmológicos,  como catarata.
Cuba  caminha no rumo do modelo chinês? Em discurso na  Central de  Trabalhadores de Cuba, em novembro, Raúl Castro afirmou: “Não  estamos  copiando nenhum país”. Deixou claro que se busca um caminho “autônomo,   ajustado a nossas características, sem renunciar minimamente à  construção do  socialismo”.
Cuba está convencida de que a completa   estatização da economia é inviável. Daí a proposta de manter empresas  estatais  ao lado de outras de capital misto, bem como modalidades  diversas de  iniciativas não estatais, como cooperativas, terras  arrendadas e prestação de  serviços por conta  própria.
Para se evitar a corrupção em contratos  com o  exterior, Cuba aplicará este princípio: quem decide não negocia  e quem negocia  não decide.
Com as futuras reformas, mais de 1 milhão  de  cubanos devem perder seus empregos na estrutura estatal. Um duplo desafio   se impõe à Revolução: a requalificação profissional dos desempregados,  a fim  de se evitar a contravenção, o narcotráfico e a economia  paralela, e o  incremento da emulação ideológica, em especial dos  jovens, de modo a evitar  que a Revolução se torne um fato do passado e  de manter a prevalência dos  valores subjetivos sobre a mercantilização  dos costumes incutida pelo  neoliberalismo.
Entre furacões e sabotagens, a Revolução cubana   resiste há 53 anos. Seu maior mérito é o de assegurar condições dignas  de vida  a 11 milhões de habitantes da ilha e não medir esforços na  solidariedade aos  povos mais pobres do mundo.
As reformas anunciadas significam maior  democratização  do socialismo. O Estado deixa de ser o grande provedor  para se tornar o  principal indutor do desenvolvimento. E convoca os  cidadãos a serem os  protagonistas de um socialismo com a cara do  século  XXI.

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