22.01.2011 A integração sulamericana - que se converteu num objetivo fundamental da atual política externa brasileira - é mais que uma questão econômica, ela é um fenômeno de longa duração, expressão de um destino histórico. A crescente incorporação do Brasil nesta frente sulamericana, tão desprezada historicamente pela nossa oligarquia, é um fator decisivo para viabilizar este projeto histórico. Toda a região espera do Brasil que ele assuma uma liderança histórica a favor da integração regional. O artigo é de Theotonio dos Santos. Por Theotonio dos Santos (*) Data: 19/01/2011 Nos últimos anos vem se enraizando no país uma enorme procura de cursos de relações internacionais que têm condições de realizar uma rigorosa seleção de seus alunos, em geral de boa qualidade intelectual, conhecimento de línguas e bons conhecimentos gerais. O interesse demonstrado por estes estudantes pela atual política exterior do Brasil vem motivando a criação de disciplinas sobre a integração da América do Sul. No semestre passado tive a oportunidade de realizar um curso sobre a integração regional no cursode relações internacionais da UFF, com o apoio do doutorando Sérgio Sant´Ánna. Nesta disciplina, procuramos demonstrar uma tese central: a integração sul americana - que se converteu num objetivo fundamental da atual política externa brasileira - é mais que uma questão econômica, ela é um fenômeno de longa duração, expressão de um destino histórico. O continente americano, antes da chegada truculenta de Cristóvão Colombo, abrigava uma população de cinqüenta a setenta milhões de habitantes que estavam relativamente integrados, sobretudo através das conquistas Astecas no sul da América do Norte e do avanço do império Inca na região Andina. Sabemos hoje também que a região amazônica integrava cerca de cinco milhões de habitantes e havia uma alta comunicação destes impérios no seu interior, entre eles e entre os povos que não estavam incorporados a eles. A violenta colonização espanhola e portuguesa ( além das incursões de outros centros imperiais europeus) buscou administrar esta vastíssima região articulada demográfica, econômica, social e culturalmente sob uma direção única, ao mesmo tempo que buscou reorientar suas economias para o mercado mundial em expansão no séculos XV ao XVIII sob a égide do capitalismo comercial-manufatureiro. Nas regiões de menor densidade das populações naturais assistimos o fenômeno do comercio de escravos, trazidos da África em condições infra-humanas. A luta pela libertação das Americas rompeu esta dimensão continental. As colônias inglesas conseguiram sua libertação já no século XVIII, inspiradas numa ideologia liberal e republicana que vai revolucionar o mundo no final do século, através da Revolução Francesa e sua expansão por toda Europa e pelas suas colônias, particularmente no Caribe. A onda democrática por ela deflagrada chegou à América espanhola e portuguesa sob a forma da invasão napoleônica que defagrou a gesta impendentista que cumpre agora 200 anos. A pesar de iniciar-se nos cabildos das colônias espanholas, ela percorreu toda a região numa concepção unitária da qual Bolívar foi o intérprete máximo. No Brasil com a vinda da corte Portuguesa em 1808 foi mantida a unidade em torno do príncipe português que declarou a independência, Não devemos esquecer contudo as várias rebeliões indígenas como a tentativa de Tupac Amaru de reconstruir o império Inca ou as revoltas afro-americanas sob a forma de quilombos cujo mais representativo foi o de Zumbi dos Palmares. Não faltaram também brotos rebeldes contra a colonização ou mesmo propostas independentistas lideradas por uma já poderosa oligarquia local (insurgência de Minas Gerais -Tiradentes). A América Hispánica surgiu unida, mas deixou-se dividir pelos interesses das oligarquias exportadoras locais, da expansão britânica sobre o comercio da região e em função dos interesses dos Estados Unidos recém formados. O conjunto dessas forças vai fortalecer as articulações regionais voltadas para o comércio e apoiadas no liberalismo econômico. A região se dividiu assim entre duas grandes doutrinas. De um lado, o bolivarianismo buscou preservar a unidade continental na busca da formação de uma grande nação, pelo menos sul americana. Do outro lado, a doutrina Monroe buscou afastar a presença britânica e européia em geral sob a consigna de "a América para os americanos". De um lado, Bolívar foi derrotado, mas o bolivarianismo continuou a desenvolver-se como expressão desta historia secular e multidimensional ( hoje em dia as descobertas arqueológicas do Caral, no norte do Peru, nos remetem a uma civilização altamente desenvolvida há cinco mil anos, cuja continuidade é realmente impressionante ao ser cultivada até hoje, ainda que secretamente, pelos seus descendentes indígenas). Do outro lado, os Estados Unidos não pode ser fiél à sua pretensão pan-americana. Cumprindo a previsão de Bolívar, segundo a qual os Estados Unidos estava destinado a confrontar a América Latina, invadiu o México e se apropriou de metade de seu território, realizou várias intervenções militares na América Central e no Caribe (a participação dos Estados Unidos na guerra de independência de Porto Rico e Cuba deu origem à incorporação de Porto Rico como uma colônia e, ao fracassar a ocupação de Cuba, ao estabelecimento da base militar de Guantánamo, a maior de suas milhares de bases militares espalhadas pelo mundo). O mesmo papel desempenhou a construção do canal de Panamá que separou esta região da Colômbia e tantas outras intervenções brutais que foram se deslocando inclusive para a América do Sul na medida em que as ambições imperialistas dos Estados Unidos foram se ampliando. Foi assim como os Estados Unidos tiveram que renunciar na prática à sua doutrina panamericana incorporando diretamente ou sob a misteriosa condição de Estado Associado aos americanos do norte (América Francesa) e do Sul (México, Porto Rico) e tornando-se aquele monstro que Marti e Hostos, Mella e Sandino e tanto outros pensadores e lutadores latinoamericanos identificaram. Para manter esta dominação, os Estados Unidos tiveram que realizar em torno de 150 intervenções militares assim como apoiar golpes de Estado locais e ditadores a seu serviço. Nossas oligarquias exportadoras ou aquelas ligadas ao capital internacional percebem os Estados Unidos como um aliado quase incondicional mas os povos da região se sentem muito mais identificados com a visão bolivariana. Assim também se sentiram os novos empresários, sobretudo industriais, voltados para o mercado interno da região. Eles sempre viram como importante a unificação dos mercados regionais. Muitos intelectuais vêem a uniade regional como um fenômeno cultural indiscutível. Apesar da imposição do Panamericanismo pelos Estados Unidos, continuam atuando forças regionais que aspiram uma maior integração da mesma. Depois de várias ofensivas os aos 20 e 30, inspiradas em geral na Revolução Mexicana, foram estas forças sociais que, em 1947, se uniram em torno da idéia de formar nas Nações Unidas uma Comissão Econômica da América Latina (CEPAL), contra a qual se colocou infrutuosamente o governo norte-americano. A CEPAL não somente serviu de base para mobilizações diplomáticas mas converteu-se também e sobretudo no centro de um pensamento alternativo que se diferenciava teórica e doutrinariamente da Organização dos Estados Americanos (OEA), do FMI e do Banco Mundial. Foi sob sua inspiração que se criou a ALALC em 1960. Iniciativa que os Estados Unidos responderam com a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com a Aliança para o Progresso, a USAID e outras iniciativas diplomáticas e de segurança de inspiração Panamericana. As duras limitações destas experiências na região foram abrindo caminho para uma concepção mais radical e mais profunda do processo socioeconômico e político regional. A teoria da dependência permitiu questionar os limites da pretensão de nossas burguesias de reproduzir em seus países as experiências de crescimento econômico e desenvolvimento sócio-economico ocorrido no centro do sistema econômico mundial. A nossa história mostrou que não éramos povos atrasados que não conseguiram modernizar-se e sim havíamos participado deste processo de acumulação primitiva capitalista numa posição subordinada a serviço dos interesses do grande capital internacional cujo centro estava nos paises que comandavam a acumulação primitiva de capitais. A partir deste momento podemos contar uma história muito interessante da resistência mais ou menos radical latino americana. Vários estudos nos contam boa parte desta história ao levantar de maneira mais ou menos didática os antecedentes e as perspectivas de um esforço integracionista regional que avança a passos largos, apesar da tentativa sistemática de um pensamento dependente e subordinado insistir em ignorar todos estes passos que formam uma interessantíssima acumulação de experiências que ganhou uma intensidade extremamente rica nestes últimos anos, conseqüência em parte da diminuição da hegemonia dos Estados Unidos sobre a economia mundial. É assim que assistimos inclusive uma presença crescente de outras regiões antes totalmente ausentes de nossa história como a China que vem se convertendo no principal parceiro comercial e mesmo líderes de investimentos de vários paises da região. A crescente incorporação do Brasil nesta frente latino americana, tão desprezada historicamente pela nossa oligarquia, é um fator decisivo para viabilizar este projeto histórico. Toda a região espera do Brasil que ele assuma uma liderança histórica a favor da integração regional. Uma parte significativa da população brasileira já aderiu a esta idéia e o governo Lula conseguiu substanciar esta meta histórica ao criar a Unasul, ao apoiar o Banco do Sul e ao tomar posições políticas sempre favoráveis aos interesses regionais. O governo Dilma deve dar continuidade a estas mudanças buscando dar-lhe maior eficiência e eficácia. A Constituição brasileira já havia consagrado a nossa definição estratégica por uma relação privilegiada com a América Latina, seguida da África. Caminhamos assim para uma política de Estado a favor da integração regional assim como fortalecemos nossa decisão histórica de exercer um papel unificador das duas bandas do Atlântico Sul. Só falta agora que as nossas Universides e nosso ensino em geral tomem consciência do seu papel na criação de uma consciência regional. Da grande imprensa podemos esperar pouco. Ela é propriedade das mais retrógradas oligarquias regionais que se opõem radicalmente à integração regional e a um papel protagônico do Brasil em qualquer campo. Não está na hora das forças progressistas da região se unirem para criar e articular uma imprensa escrita, falada e virtual que cuide dos interesses da região e dos seus povos? (*) Professor emérito da UFF. Professor visitante nacional sênior da UFRJ. Presidente da cátedra UNESCO/ UNU sobre economia global e desenvolvimento sustentável (www.reggen.org.com.br). / theotoniodossantos.blogspot.com/ |
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