Míriam Santini de Abreu, jornalista
A mídia em geral pinça fatos e, sem relacioná-los, transforma os acontecimentos do mundo e dos lugares em amontoados sem conexão entre si. Em Santa Catarina, dominada pelo oligopólio do Grupo RBS, esse processo tem repercussões ainda mais graves na possibilidade de a população compreender o que ocorre no estado. O que tem a ver a criação de um Pelotão de Choque com a decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia Legislativa que, nesta terça-feira, dia 9, aprovou requerimento do governo Raimundo Colombo (ex-DEM, atual PSD) solicitando regime de urgência na análise do Projeto de Lei nº 236/2011, que autoriza a venda de ações da Casan, a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento? Tem tudo a ver.
Em seu primeiro semestre de governo, Colombo passou o trator na luta dos professores, alterando o plano de carreira da categoria. Para conter os protestos na Alesc no dia da votação, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da PM, irrompeu na “Casa do Povo”. Agora, o governador apresentourequerimento solicitando regime de urgência na análise do Projeto de Lei nº 236/2011, em um cenário no qual a Alesc iria discutir o tema ao longo deste semestre e no ano que vem.
Com a alteração, a proposição terá 45 dias, a partir de hoje, para a sua tramitação final. O presidente do colegiado, deputado Romildo Titon (PMDB), confirmou a realização de Audiência Pública no dia 16, na Alesc, para discutir o tema antes da votação do relatório final do projeto, previsto para o dia 23. Parlamentares manifestaram-se contrários a isso, porque os prazos são insuficientes para a realização da Audiência Pública e análise do projeto. Foi lembrado o tratamento dado aos professores: “O governo precisa respeitar esse Parlamento!”, disse um dos deputados de oposição. “O projeto não está em discussão e este assunto está encerrado”, respondeu Titon. Na Sessão estavam representantes sindicais da Casan, dos Eletricitários e de outros Sindicatos que estão articulando uma frente ampla em defesa das empresas estatais de SC.
O artigo 1º do projeto diz que “fica autorizado o Poder Executivo a alienar ações da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, por meio de leilão, a sócio estratégico, resguardando-se ao Estado de Santa Catarina, diretamente ou por meio de sociedades controladas, a propriedade e posse de, no mínimo, 51% (cinquenta e um por cento) das ações do capital votante”.
É no artigo 5º que se concentram as dúvidas quanto às reais intenções do governo. O artigo diz: “Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a firmar com o licitante vencedor, adquirente das ações da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, Acordo de Acionistas, bem como a promover a adaptação do Estatuto Social da companhia para regular o relacionamento entre o Estado de Santa Catarina e o sócio estratégico, resguardando inclusive os investimentos e direitos societários do mesmo, incluindo, entre outras matérias, o direito de preferência na alienação e compra de ações, realização de oferta pública e as regras sobre direito de voto nas deliberações da companhia que versem sobre a escolha de membros do Conselho de Administração e da Diretoria, aprovação da remuneração dos administradores, emissão de ações e debêntures, aumento de capital, inclusive com capitalização de créditos ou bens de qualquer natureza, política de distribuição de dividendos, orçamentos de capital, realização de investimentos, alteração dos estatutos e reorganização societária da companhia”.
Deputados alertaram que o mercado acionário passa por crise, e há perspectivas positivas de novos investimentos na empresa. Com o projeto, porém, abrem-se as portas da Casan para grandes empreiteiras e seu capital especulativo. Depois do resultado sobre o assunto na Comissão, o presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores/as em Água, Esgoto e Meio Ambiente em Santa Catarina), Odair Rogério da Silva, disse que será necessária intensa mobilização, em menos de uma semana, para lotar a Audiência Pública. “A tendência deste governo é tratorar tudo”, declarou Odair. E é mesmo.
No dia 24 de julho, o Estúdio SC, programa da RBS TV, apresentou reportagem sobre o Primeiro Pelotão Especial de Choque da Polícia Militar. Vale a pena ver o programa e analisar o discurso de quem fala. E mais: a falta de outras vozes que não as da PM na reportagem revela a completa desconexão deste fato com todo o recente histórico de criminalização da luta social no país e, em especial, em Santa Catarina.
A reportagem inicia assim:
“Agora a gente vai conhecer um grupo que tem resistência de atleta, mas foi treinado para encarar situações de conflito. É a nova tropa de elite catarinense. Primeiro Pelotão Especial de Choque da Polícia Militar que vai atuar em grandes manifestações, ocorrências que envolvem tumulto. São 30 policiais que juntos podem conter 3 mil pessoas. Nossa equipe acompanhou a última aula deste Batalhão de Choque”.
Pergunta: qual é a definição de “tumulto”? E o “tumulto” social provocado pelas privatizações ao longo da era FHC?
Ao falar da “formação em linha”, um major da PM diz que é “a mais forte que nós temos”, “utilizada para desobstrução de vias, desobstrução de ambientes que estão ocupados por pessoas que não deveriam estar ali”.
Pergunta: quem define o uso do ambiente público? Que pessoas não devem estar nele?
Sobre a “formação em cunha”, o mesmo major explica que é para dividir a manifestação em dois grupos. Outra formação faz com que o grupo”seja desviado para outro local. Ao falar das “posições defensivas, ouve-se a seguinte declaração do major: “Aqui, se nós fôssemos os manifestantes, nenhum policial nosso está aparecendo”. Fica claro que o Pelotão tem um alvo específic manifestantes, sejam eles quais forem.
As técnicas ensinadas, informa a reportagem, surgiram há mais de dois mil anos, e a matéria da RBS TV mostra uma cena do filme The Eagle (A Águia da Legião Perdida), “quando o exército do império romano passou a usar formação de escudos para proteger a tropa durante o ataque de bárbaros”.
Pergunta: quem são os “bárbaros” do século 21?
O telespectador é informado de que os integrantes foram escolhidos entre os mais fortes da PM. Um soldado esclarece que, ao contrário do que se pensa, não são policiais truculentos ou mal-preparados, “só indo na direção daquelas pessoas para bater. Não é isso. A nossa intenção é ter o menor contato possível, dar a chance para aquele manifestante sair do local sem que haja um confronto com a gente”.
O treinamento envolveu simulações com tiros e gás lacrimogênio em estádios de futebol e presídios. O tenente-coronel Newton Ramlow, conhecido em Florianópolis por estar à frente da PM na repressão às manifestações sociais, fala que o policial precisa agir, “na hora do extremo”, de forma “precisa e perfeita”.
A prova final dos policiais foi em uma simulação de reintegração de posse. O objetivo, diz o comandante geral da PM, é ampliar o efetivo para 120 homens “para que as pessoas tenham certeza de que o Estado está preparado para conter eventuais abusos de algumas pessoas, mas que esse mesmo Estado que conterá os abusos vai em socorro de todos acima de tudo”. Ao final da matéria, o grit “Choque!”.
O que a mídia não mostra é a conexão entre esta tropa “precisa” e suas táticas contra os manifestantes com o projeto que vende ações da Celesc, com a repressão aos professores em Greve, com qualquer movimento que, do modo que for, levante-se para questionar não os abusos de “algumas pessoas”, e sim o abuso deste Estado que acha que tudo pode. Este debate é urgente, e cabe a todo o movimento sindical e popular preocupado com a construção de um mundo justo.
Veja a matéria sobre o Pelotão Especial de Choque da Polícia Militar em:
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