GB – O significado universal da revolução Cubana (1)
“Diante das revoluções burguesas em atraso, a revolução em avanço provém do socialismo, o que quer dizer que temos que estudar Cuba se pretendemos desvendar o futuro e conhecer a história em ritmos fortes, que se abre para frente e assinala uma ‘nova época de civilização’ no solo histórico da América Latina”.
Florestan Fernandes
A Revolução Cubana - que conquistou o poder em 1959 e já celebra 52 anos de existência – é uma grande conquista histórica da humanidade. Ela se distingue como um momento decisivo na história da América Latina e bem poderá ser considerado, por historiadores do futuro, como o maior acontecimento do século XX no continente americano. O economista brasileiro Francisco de Oliveira - inspirado no título da opus magna do escritor cubano Alejo Carpentier, “O Século das Luzes” - chega a propor “chamar o século XX nas Américas de ‘O Século de Cuba’“, pois, “nenhum outro acontecimento marcou tanto esse nosso século, nestas terras americanas, quanto a revolução cubana, o movimento político que levou um pequenino país, a ‘Pérola das Antilhas’, a libertar-se da tutela americana e do sistema capitalista, inaugurando nas Américas uma nova era histórica, em seu trânsito para o socialismo” (Oliveira, Francisco de - “Prefácio”, in: Werthein, Jorge e Carnoy, Martin - Cuba: Mudança Econômica e Reforma Educacional 1955-1974, Brasiliense, S.P., 1984, p.8).
A revolução cubana rompeu um elo fundamental (onde as contradições eram mais agudas) da gaiola de ferro que aprisiona nas malhas do capitalismo dependente mesmo os países mais “ricos” e “avançados” da América Latina e Caribe. Em nosso subcontinente, a transformação capitalista por via autocrática, permanentemente dependente do imperialismo e presa nos dilemas da “espiral viciosa” do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, com a apropriação dual dos excedentes econômicos nacionais – a parte do leão é drenada para fora e abocanhada pelas burguesias “centrais” – formou padrões de dominação burguesa especialmente iniquos, baseado: na espoliação nacional sistemática, na expropriação e degradação das massas populares, na super-exploração do proletariado e na exclusão cruel da maioria do povo dos direitos democráticos e garantias sociais mais elementares.
Marx expôs e criticou a decadência ideológica e política burguesa e de seus partidos após a tomada do poder pela burguesia e da experiência crucial de medir-se com a pressão democrático-radical do proletariado na revolução de 1848 (Cf. O 18 Brumário de Luiz Bonaparte e o Prefácio à 2ª ed. do Livro I de O Capital). Lenin, no seu célebre ensaio sobre O Imperialismo, apanha os principais traços da virada reacionária e parasitária da consciência social burguesa na época de domínio do capital financeiro no capitalismo monopolista. No entanto, os teóricos clássicos do comunismo só puderam descrever os sintomas iniciais de contradições que se tornariam muito mais agudas e dramáticas com as sucessivas crises do capitalismo monopolista em confronto com as grandes revoluções proletárias e populares. Na América Latina, como caso extremo do que acontece em outros rincões da periferia do mundo capitalista, as burguesias nativas e suas “elites criolas” desenvolveram uma consciência de classe particularmente miserável e mistificadora, em níveis desconhecidos nos “países centrais”. Não viveram e jamais viverão o “momento glorioso” das revoluções burguesas clássicas, que encadeou a revolução industrial à revolução democrática e nacional. Cheios de presunção, hipocrisia, mesquinhez e ignorância as elites burguesas nativas sempre se agarraram nos seus superpivilégios e sacrificaram qualquer radicalismo burguês no altar fascistóide da “segurança e desenvolvimento”; abrindo as veias de nossas nações ao vampirismo neocolonialista e imperialista. O veredito da literatura realista (de Machado de Assis a Gabriel Garcia Marquez) é reforçado pela repulsa dos povos através do epigrama condenatório: “submissos em relação aos de cima, tirânicos em relação aos de baixo”.
Em contraposição, a Revolução Cubana, mostra na prática como um movimento de libertação nacional especificamente revolucionário pode ultrapassar rapidamente o horizonte da consciência burguesa e identificar-se com as necessidades históricas do proletariado; e como a partir da necessidade de romper com o capitalismo para superar a dominação imperialista ela se lança para frente, ininterruptamente, enlaçando revolução popular com revolução proletária socialista: Dentro de uma sociedade capitalista dependente “não havia como levar a revolução adiante dentro do capitalismo; ela deslocou e esmagou a burguesia, nacional e estrangeira, porque para libertar a nação e para criar um Estado democrático soberano, ela tinha que converter-se em uma revolução contra a ordem, ou seja, anticapitalista” (Fernandes, Florestan - Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana, T.A.Queiroz Editor, S.P., 1979, p. 10).
O SIGNIFICADO UNIVERSAL DA REVOLUÇÃO CUBANA
“O significado universal da revolução cubana reside na sua grande afinidade com as aspirações de todos aqueles que pretendem se libertar das restrições paralisantes da ordem social do capital”.
István Mészaros
A compreesão adequada dos processos revolucionários atuais exige a fusão da objetividade científica buscando uma escrupulosa fidelidade ao movimento da realidade existente em si (no caso, o processo histórico revolucionário, como totalidade complexa, aberta, viva, em movimento) com a ótica humanista-concreta do socialismo, fundamental para que a ciência incorpore em si os objetivos de auto-emancipação humana e os valores que dão sentido ao socialismo revolucionário. Assim poderemos avaliar objetivamente o quanto estes objetivos se realizaram no vir-a-ser histórico (distinguindo o real e o possível que estão entrelaçados na construção da história concreta). Poderemos também conhecer, entender, amar e participar da Revolução Cubana não como uma “revolução dos outros” (“a revolução dos cubanos”), mas como história em processo que é a nossa própria história. Cuba abriu o caminho das grandes revoluções proletárias deste século na América Latina. Com isto modificou nossa história e as possibilidades dos movimentos de emancipação nacional e de transformação democrático-radical e socialista na América Latina. Ao mudar a situação histórica preexistente, a Revolução Cubana deixou aberta novas portas e novas vias para estes movimentos. Não forjou um “modelo” (extrapolação arbitrária de experiências históricas para organizações sócio-econômicas diferentes); nem alimentou “utopias” (idéias de uma “sociedade perfeita pré-fabricada”, desvinculada da sociedade concreta em que se vive e projetada para um futuro ao qual não sabemos como chegar). Quanto a este aspecto, nada pode estar mais distante da concepção dos dirigentes cubanos do que o dogmatismo da imposição de modelos (que tantos prejuizos causaram no passado) ou da visão (falsamente imputada aos revolucionários, mas que é propria dos apologistas do capital) da revolução como um produto de “exportação” conspirativo de uma “força subversiva estrangeira”. As revoluções sociais são produtos das próprias contradições e problemas das sociedades concretas, das lutas entre as classes sociais e, por certo, de organizações políticas e estratégias que acionam as efetivas alavancas transformadoras pelos movimentos proletários e populares existentes e capazes de transformar dinâmicamente as realidades sócio-históricas sob as condições objetivas reais. Fidel Castro afirma com clareza: “Surgem movimentos de massa que se formam com tremenda força, e eu creio que estes movimentos desempenharão papel fundamental nas lutas furturas. Serão outras táticas, já não será a tática no estilo bolchevique, nem mesmo ao nosso estilo, porque pertencerram a um mundo diferente. (...) Serão outros caminhos, outras vias pelos quais irão se criando as condições para que esse mundo sob domínio unipolar de uma superpotência – os EUA – se transforme em outro mundo socialista” (Castro, Fidel – Gramna, 25/06/1998, p. 6). Sem propor modelos ou utopias a Revolução Cubana prova que a América Latina está madura para o socialismo: Cuba rasgou um clarão nas esperanças coletivas e nos anseios libertários e igualitários de outros povos irmãos.
Cuba é o “único ponto de referência” para se estudar concretamente, não só a única experiência de revolução anticolonial e antiimperialista levada até o fim e até o fundo na América Latina; mas para além destes aspectos (evidentemente já muito relevantes), sobretudo para o estudo de sua revolução socialista vitoriosa e do processo de transição socialista propriamente dito: “Cuba como a primeira fronteira histórica e o primeiro patamar concreto da manifestação do socialismo na América Latina”. Estamos na época histórica das revoluções proletárias, ainda que ela só tenha aparecido nos “elos débeis” do capitalismo. Nesta perspectiva, alguns elementos estruturais da revolução cubana possuem uma importância não apenas nacional particular, mas um significado universal, que desvela o futuro: “Temos que descobrir o que a civilização moderna, sob o socialismo revolucionário, reserva à América Latina e já pode ser constatado concretamente em Cuba, pelas transformações ocorridas e, mais ainda, pelas transformações em processo” (Id. ibdem, pp. 6 e 7). Cuba vive no presente o nosso futuro de outra maneira. A Revolução Cubana mostra, antecipadamente, que é no socialismo que os povos da América Latina encontrarão a solução - efetiva e duradoura - de seus problemas e dilemas. O povo cubano prova a compatibilidade do socialismo com os povos da América Latina, pois os cubanos não estão fazendo nada que outros povos do continente sejam incapazes de fazer. A vontade revolucionária coletiva do povo cubano tornou-se uma força material objetiva: provou concretamente que “mesmo no subdesenvolvimento é possível superar a miséria”, que “é possível eliminar os traços mais marcantes do subdesenvolvimento, mediante a transformação radical das estruturas vigentes na sociedade” (Sader, Emir - A Revolução Cubana, Ed. Moderna, S.P., 1985, pp. 75 e 76).
O significado universal concreto da Revolução Cubana não pode ser compreesndido se abstraírmos as mediações particulares e singulares que a tornam um processo único. Sua unicidade concreta resulta de ela ser o resultado de 200 anos de luta insurgente e ressurgente; primeiro contra o colonialismo espanhol e o escravismo mercantil, depois contra a dominação imperialista dos EUA, a classe latifundiária, a burguesia nativa e as elites endinheiradas (todos estreitamente associados). Ao não conseguir a independência em princípios do século XIX como a maioria das colônias espanholas na América, Cuba desenvolveu mais tarde um movimento de libertação poderoso com uma importante personalidade radical e popular. Os “mambíses”, a guerrilha popular que se lançou contra o domínio espanhol entre 1868 e 1898, deram importância à igualdade racial e social e formaram uma consciência anti-colonial e antiimperialista precoce. O resumiu o grande homem de letras e figura histórica libertadora de envergadura universal José Martí (cuja generosidade o leva a insistir que “patria es la humanidad”) quando declarou em sua última carta de 1895: "Tudo o que fiz até agora e tudo o que farei tem por objetivo prevenir, através da independência de Cuba, que os Estados Unidos da América se movam com mais força sobre nossa América”. Este espirito antiimperialista se voltou a manifestar-se na luta contra o ditador Gerardo Machado (1925-33) e a revolução derrotada de 1933, grande precursora da de 1959.
O caráter único da Revolução Cubana também se manifesta nos três anos de luta armada, onde a guerrilha desempenhou a função de partido revolucionário apoiado por uma massa sempre crescente do povo até derrubar o regime títere de Batista. Em 1º de janeiro de 1959, quando o ditador Batista fugia e os guerrilheiros barbudos entravam em Havana e Santiago, poucos antecipavam o alcance e a profundidade das mudanças que iam se suceder. A revolução anti-capitalista cubana foi uma das mais rápidas e completas das realizadas até então em todo o mundo. Durante os três primeiros anos entre 1959 e 1962 foram erradicadas do cenário histórico as bases economicas, sociais e políticas do poder das antigas classes dominantes: a primeira e segunda leis de Reforma Agrária, o desafio a Washington para expropriar as explorações açucareiras e as fazendas, a nacionalização de praticamente todas as grandes indústrias e serviços, a extraordinária campanha de alfabetização e o estabelecimento de educação pública gratuita em todos os níveis, a criação de todo um complexo de serviços sociais (universal e gratuito), e a organização de uma milícia popular e organismos massivos disciplinados desde o nível mais elementar nos bairros aos mais complexos que abrange todo país. (Cf. a análise clássica deste processo: O’Connor, James – The Origins of Socialism in Cuba, Cornell UP, Ithaca, 1970).
A força da demanda popular de auto-determinação e justiça social combinada com a estrutura monopolista da economia das plantações cubanas e a confrontação inevitável e direta com o imperialismo estadunidense fizeram com que, a partir de princípios dos anos 60 em diante, a solução socialista fosse o único caminho viável para seguir adiante, para que a revolução não se destruísse em função da divisão e incoerência. A necessidade do socialismo tornou-se um senso comum popular, uma expressão madura do bom-senso, quando ocorreu declaração famosa de Fidel durante a invasão da Baía dos Porcos que o confirmava: "Pois sim: somos socialistas! Nossa revolução é socialista!".
É com seu belíssimo caráter único que a Revolução Cubana adquire seu significado universal para todos os que, em geral, lutam pela causa da emancipação humana; mas com um significado especial para a América Latina e Caribe. Os países do nosso subcontinente foram e ainda são dominados pela mesma potência imperialista – os EUA – que se tornou hegemônica mundialmente; e todos os esforços para buscar soluções substanciais para os problemas do povo trabalhador foram frustrados (e afinal anulados) pelas iniquidades do capitalismo dependente e sua ordem social autocrática, sob o domínio de blocos de poder que associa os latifundiários e a grande burguesia interna ao imperialismo (sob hegemonia deste). A mensagem da Revolução Cubana para nossos povos é dupla: anti-imperialista e socialista. A necessidade das nações de Nossa América de conquistar nossa soberania diante da avassaladora dominação - econômica, política, militar e cultural – do Império Estadunidense. A necessidade de superar as iniquidades e injustiças, o caráter insuportável (espoliador, expropriador, super-explorador, perdulário, anacrônico e desumanizador) da ordem autocrática do capitalismo monopolista dependente (o único possível aqui no atual estágio da história). Desde o início, a mensagem da revolução cubana focalizava estes dois complexos de problemas que afetam profundamente todos os países da América Latina: “a mensagem dupla da revolução cubana – convocando não apenas para a luta antiimperialista, mas também para uma mudança estrutural e sistêmica da sociedade como a condição última do sucesso daquela luta – está destinada a ressoar com crescente intensidade, até n as circunstâncias mais difíceis, por todo o continente” (Mészáros, I. – Dossiê: Cuba e os Rumos da Revolução, In: Margem Esquerda 2, maio de 2004, p. 16).
“RETIFICAÇÃO” E “PERÍODO ESPECIAL”: PROBLEMAS DA TRANSIÇÃO PARA O SOCIALISMO SOB CERCO IMPERIALISTA
"Apesar de todo o bloqueio e das condições naturais modestas, pois é uma ilha pequena, Cuba não tem miseráveis, ninguém passa fome, ninguém passa a situação dos miseráveis dos Estados Unidos, ou da Alemanha, ou daqui mesmo do Brasil, que vivem nessa crise gigantesca”
Luiz Carlos Prestes
“A revolução que se propõe a ser uma revolução de verdade tem que evitar o mal do burocratismo (...) o perigo da burocracia como uma camada especial (...). A revolução dos trabalhadores tem que chegar até o final, a revolução dos trabalhadores tem que estar vigilante para que não se desenvolvam vícios, para que não se desenvolvam males que dêem lugar no futuro a dolorosas novas batalhas no seio da sociedade”
Fidel Castro
Na segunda metade dos anos 80, na busca da superação definitiva do subdesenvolvimento e de fazer avançar a transição para o socialismo, dá inicio a um processo de transformação dirigido, sobretudo, para consolidar a essência determinante da orientação socialista de desenvolvimento: desenvover os requisitos da plena participação popular na direção do processo social e fortaler as relações e intituições que reforcem a participação dos trabalhadores na tomada de decisão em todos os níveis de controle econômico, cultural e político. É lançado em 1986 o Processo de Retificação de Erros e Tendências Negativas e a campanha da “Retificação” voltada para a consolidação do poder político de orientação socialista e de deu papel condutor no processo de produção social, de modo a grantir o avanço sustentado na consolidação da propriedade social socialista. Trata-se de buscar criar os pré-requisitos para substituir o anterior planejamento tecnocrático (realizado fundamentalmente pelos técnicos “planejadores”) para um planejamento abrangente democraticamente centralizado; que articule interesses não adversos e se combine com avanços na auto-gestão das instituições de base (reforço do papel dos “territórios” e dos “coletivos de trabalho”). Ao mesmo tempo, o rechaço de Fidel as políticas soviéticas de Glasnost e Perestroika, foi visto por muitos como "estalinista" ou "conservador". Na realidade o rechaço das políticas de Gorbatchev foi tudo menos isso: refletiu a compreensão profética do dirigente cubano que este tipo de “liberalização” de cima para baixo, inclusive com a restauração de um mercado de trabalho, conduziria necessariamente ao capitalismo; e que, ao contrário, o socialismo deveria revitalizar-se com uma combinação do fortalecimento da mobilização popular, da particiapação da base dos trabalhadores e do sentido humanista do processo de desenvolvimento cubano.
O projeto original da Campanha de Retificação teve que ser alterado e adaptado às difíceis condições criadas pela crise dos anos 1990 (mesmo que os passos dados para a implementação do Processo de Retificação “original” tenham sido muito positivos e oportunos para o enfrentamento da crise). A Revolução Cubana enfrenta a sua maior crise e o maior desafio à sua sobrevivência com o fim da URSS e a queda dos outros países do chamado “campo socialista” do Leste Europeu e o concomitante recrudescimento do bloqueio econômico e das agressões do imperialismo estadunidense. Até 1989, 79,9% das exportações e 85,3% das importações ocorriam com o “bloco socialista”. Dessa forma Cuba foi privada de uma série de itens fundamentais para sua vida econômica: alimentos, peças de reposição, matérias-primas para suas indústrias, petróleo cru, derivados de petróleo etc. Esse período de crise começou em 1990 e recrudesceu após 1991, se estendo até a atualidade e denomina-se Período Especial em Tempos de Paz. (em que são aplicados alguns dos mecanismos de emergência inicialmente pensados para o caso de uma invasão militar por parte do poderoso e animoso vizinho do norte). A fase mais dura ocorreu nos anos 1992 e 1993. A taxa média anual de crescimento do PIB durante o auge da crise (1990-93) foi de –12,4% e a produtividade caiu 12,0%; mas a política voltada à proteção do emprego e do rendimento evitou um desemprego em massa e a queda dos salários. O excesso de moeda decorrente dessa situação só não se traduziu em uma hiperinflação devido ao forte controle de preços e aos subsídios concedidos pelo sistema de racionamento das libretas. Qualquer outro país do continente que houvesse passado por uma crise semelhante teria os seus indicadores sociais extremamente agravados, o que não aconteceu em Cuba.
A liderança do país considerou necessário realizar certas “concessões” (como as definiu Fidel) que implicavam um relativo recuo do projeto socialista em relação ao mercado. As medidas de recuo tático concebidas a partir do IV Congresso do Partido Comunista de Cuba, em 1991, significavam uma desaceleração (em algumas áreas um estancamento) do processo de transição socialista. O desafio central do povo cubano, de seu poder popular e do PCC, sob as condições particularmente adversas dos anos 90, passa a ser definidas em termos da preservação das principais conquistas propriciadas pela revolução. Trata-se de defender o notável conteudo daquilo que usualmente se sintetiza como direitos sociais (saúde, educação, habitação, transporte coletivo, previdência, saneamento, etc.) e de garantir a defesa do país (ou seja, da soberania nacional). Entre aquelas “concessões” fazem parte: a reabertura do mercado interno - agropecuário, industrial, artesanal em moeda nacional e mercadorias importadas e de produção nacional em moeda estrangeira -; a possibilidade de associação econômica do Estado com o capital estrangeiro; o autofinanciamento das empresas em divisas conversíveis e a permissão para que as empresas estatais exportem e importem diretamente; e, por fim, uma descentralização do sistema bancário nacional. Em 1993 foram tomadas outras medidas: autorização para recebimento de remessas de divisas provenientes do exterior; incentivo ao desenvolvimento do turismo voltado para a classe média européia e o recebimento de dólares enviados por familiares que vivem no exterior. Houve uma diversificação da produção agrícola e da venda de produtos oriundos da alta capacidade obtida por Cuba em biotecnologia. Os dólares arrecadados com essas medidas foram e são fundamentais para que o país realize as importações de que necessita. Foram criadas as Unidades Básicas de Produção Cooperativa (UBPC) nas atividades agrícolas, com o propósito de elevar a eficiência na agricultura. Em 1995, foi promulgada a lei no. 77 que prevê a liberação dos investimentos estrangeiros no país; mas controlados pelo Ministério do Investimento Estrangeiro e Colaboração Econômica, e pelo Comitê Executivo do Conselho de Ministros, e só autorizados quando considerados estratégicos para o país.
O êxito de Cuba ao superar os rigores extraordinários dos piores anos do "Período Especial" de meados dos anos 90 só se explica pela a vitalidade continuada da revolução. Quem visitou Cuba nesses anos ficou impressionado com o estoicismo, compromisso e a lealdade da imensa maioria do povo cubano com a sua revolução; em um país inundado por imagens da sociedade estadunidense de consumo e propaganda contra-revolucionária. Um fator crucial na sobrevivência de Cuba foi o compromisso e exemplo dos dirigentes, especialmente Fidel. Mas o elemento decisivo foi que a orientação socialista da política nunca foi abandonada: diferente da Nicarágua sandinista, que sob imensa pressão militar e econômica em finais dos anos 1980 cedeu ao FMI, liberando os preços dos artigos de primeira necessidade e privatizando os serviços sociais, Cuba manteve a saúde e a educação universais gratuitas e subvencionou a moradia e os serviços públicos. Também intensificou – en vez de abandonar – a consulta democrática ao povo sobre as medidas que iriam tomar. No momento em que dirigentes ex-comunistas praticavam renegações pungentes e corriam para abraçar o capitalismo, toda a mídia e os governos diziam a seus povos que “não há alternativa ao neoliberalismo”; os dirigentes cubanos reafirmavam a alternativa socialista e organizaram um amplo processo de consultas que envolvia cerca de 80.000 "parlamentos dos trabalhadores" por todo o país para discutir as medidas necessárias para resolver a crise econômica.
O êxito na luta pela superação da crise já se manifesta quando da realização do V Congresso do PCC em 1998 e se torna mais visível na subsequente retomada do crescimento da economia; que a partir de ano 2000 apresentou altas taxas positivas, com alto incremento da produtividade da força de trabalho e retomada do crescimento do comércio exterior. Um fator que diferencia a sociedade cubana das sociedades capitalistas é o direcionamento social de seus gastos: apesar das difíceis condições pela qual Cuba passou, os gastos sociais continuaram representando a maior parcela do orçamento público, embora as concessões realizadas ao mercado tenham levado uma maior estratificação da sociedade.
Na primeira década do século XXI Cuba se recuperou do golpe dos anos 90 (entre 1989 e 1996 a economia teve um crescimento negativo de 35%); mas só em 2004 voltou ao nível que estava em 1989 (o que significou um atraso de 15 anos no desenvolvimento econômico), seguindo com um crescimento médio anual elevado (3% acima dos outros países latino-americanos). A Venezuela, a China (e também o Brasil) se converteram em sócios economicos importantes e a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) oferece novas perspectivas. Contribui para a construção de um novo perfil econômico os avanços (iniciados em 1986) nos setores científico e tecnológico; sobretudo na informática, biotecnologia, produtos farmacêuticos, equipamentos e serviços médicos. Assim, Cuba ampliou o espaço para voltar a reorganizar a economia, recuperando a tradição dos planos quinquenais e do planejamento em longo prazo e retomando as preocupações do Processo de Retificação original; no qual busca consolidar a articulação da consolidação dos potenciais fundamentais para o desenvolvimento estrátégico das forças produtivas do país (a mais importante delas sendo o próprio homem como elemento fundamental do “processo de trabalho”) com a formação do indivíduo co-proprietário socialista dos meios de produção e o desenvolvimento da "cultura integral”.
No século XXI Cuba continua oferecendo contribuições inovadoras e vitais à revitalização dos movimentos anticapitalistas e da alternativa socialista. Podemos destacar brevemente duas áreas. Uma é nos temas ambientais. Cuba tem adotado a agricultura orgânica e práticas ecologicamente sustentáveis em toda a economia. Há o desenvolvimento da agricultura urbana, onde pequenos terraços têm se convertido em projetos organopônicos, destinados ao cultivo intensivo de grande variedade de frutas e verduras. Havana, por exemplo, produz atualmente 60% da fruta e verdura que consome dentro dos limites geográficos da cidade, e a experiência está sendo levada a cabo na Venezuela e outros países. A "Revolução Energética" tem descentralizado a geração de energia de forma que a eletricidade dependa menos das grandes obras e mais de pequenos geradores locais que são mais eficazes e menos vulneráveis durante as emergências. As lâmpadas incandescentes foram substituídas em todo o país e há investimentos em grande escala na para a geração de energia eólica e solar.
A segunda contribuição vital para a emergência de uma nova alternativa é o apoio de Cuba a Venezuela, Bolívia e outros países da América Latina ocupados nestes momentos na luta para criar um novo modelo econômico e social. Os analistas internacionais fixam sua atenção na ajuda da Venezuela a Cuba em forma de petróleo barato, porém a importância da contribuição cubana à revolução bolivariana não é menor. Sem a colaboração de milhares de cubanos, Chávez seguramente não haveria podido pôr em marcha a notável missão de saúde “Barrio Adentro” ou a missão de alfabetização Robinson. Evo Morales tampouco haveria podido colocar em prática programas semelhantes na Bolívia, pelo menos a curto prazo – e na da situação política crítica dos dois países, o curto prazo era e é crucial.
REPUDIAR A HIPOCRISIA DA DIREITA PRÓ-IMPERIALISTA E BUSCAR TODA PACIÊNCIA PARA ESCLARECER OS DESINFORMADOS E EMBANANADOS
“O comunismo é uma meta da humanidade que se alcança conscientemente, logo, a educação, a liquidação das taras da sociedade antiga na consciência das pessoas, é de suma importância, sem esquecer é claro, que sem avanços paralelos na produção não se pode chegar nunca a tal sociedade. (...) Temos que elevar muito mais os estímulos morais. Ainda há muito que fazer no terreno dos estímulos morais e do aprofundamento da consciência das massas”
Che Guevara
“O comunismo, certamente, não se poderá estabelecer se não se criam riquezas em abundância. Porém o caminho, a nosso juízo, não é criar consciência com o dinheiro, mas criar riqueza com a conciência, e cada vez mais riquezas coletivas com mais consciência coletiva”
Fidel Castro
“Não fui eleito presidente para reintroduzir o capitalismo em Cuba. Fui eleito para defender o socialismo, para manter e o aperfeiçoar o socialismo, não para destruí-lo. (...) Trata-se de definir através da mais ampla participação popular a sociedade socialista que aspiramos e podemos construir nas condições atuais e futuras (…) e asegurar a irreversibilidade do socialismo no país, única garantía para sua verdadeira independencia”
Raul Castro
Desde a vitória da Revolução Cubana em 1959, os EUA (o mais poderoso poder imperial que já existiu) vem promovendo agressões militares diretas, operações de espionagem e subverção sistemática e uma permanente guerra diplomática, política, ideológica e econômica contra Cuba. Após a queda da URSS, os EUA intensificaram sua campanha contra Cuba, promovendo uma escalada de agressões, endurecendo o cerco internacional e o bloqueio econômico na vã esperança de precipitar um colapso imediato da ordem pós-revolucionária e derrubar o poder revolucionário. Entre outras medidas, aprovou em 1992 a Lei Torricelli e, em 1996, a Lei Helms-Burton. A Lei Torricelli foi aprovada após o fim da URSS, com o objetivo explícito de “acelerar a queda do socialismo em Cuba”, prevendo medidas contra empresas norte-americanas e suas filiais que realizem negócios com Cuba e proibindo o ingresso por seis meses em porto americano de embarcações que passem por um porto cubano. A Lei Helms-Burton foi aprovada em um momento em que a economia cubana começava a dar os seus primeiros sinais de recuperação, deu força de lei às ordens executivas e disposições da administração estadunidense existente contra Cuba. Esta lei é dotada de um absurdo caráter extraterritorial (em arrogante desrespeito ao direito internacioanal e à soberania de todos os outros países do planeta); pois estabeleceu sanções contra países, empresas e entidades que mantenham determinadas relações econômicas com Cuba. Essa lei permite que qualquer cidadão americano cujos interesses esteja relacionado com propriedades nacionalizadas em Cuba abra um processo, na justiça americana, contra empresas que realizem negócios com Cuba, podendo esse processo ser estendido contra os investidores estrangeiros e inclusive contra seus familiares. Washington e a CIA fazem todo o possível para impedir qualquer país de ter relações comerciais com Cuba, de investir na ilha, o de lhe conceder créditos. O bloqueio torna as importações muito mais caras, pois Cuba deve adquirir produtos de países distantes, geralmente sem as vantagens de um contrato padrão e enfraquece a posição de negociação de Cuba com Estados e empresas estrangeiras.
A CIA organizou, em agosto de 1994, o episódio dos balseiros; aliciando cidadãos cubanos no momento mais duro do “período especial” com a promessa de visto permanente (quando a embaixada norte-americana se negava a atender a solicitação cubana de expedição de vistos para viagens ou emigração legal), naturalização e empregos em Miami (quando os EUA viviam um momento de euforia econômica). Tratava-se de uma provocação para preparar uma agressão militar; pois o governo estadunidense (mediante corrrespondência de Mister Kevin Whitaker, Chefe do Birô Cubano do Departamento de Estado) informou que considerava “os sequestros de barcos a partir de Cuba uma grave ameaça à Segurança Nacional dos EUA”. Fidel Castro denunciou a manobra: “Whitaker disse isto como se não fossem eles quem provocava e incentivava esses seqüestros, como se não fôssemos nós que adotavamos medidas drásticas para evitá-los”. A polêmica internacional sobre a condenação dos sequestradores desconsiderou a ameaça militar direta a que o país estava submetido por esse motivo.
Em 2002, o subsecretário de Estado James Bolton, acusou Cuba de ser fornecedora de armas biológicas para os inimigos dos EUA tomando por “base” o fato dos cubanos terem uma indústria farmacêutica avançada; o que justificaria a caracterização de Cuba como alvo “moralmente justificável” para um ataque militar dos Estados Unidos. Foi mais uma das inúmeras e renovadas tentativas de acusar cuba de crimes anti-americanos fictícios, por parte de agentes de um Estado que não tem moral nem respeito pela verdade. Mas neste contexto tais calunias representavam parte da orquestração de planos monstruosos. Em 2003 o governo estadunidense de Baby Bush incluiu Cuba (junto com o Afganistão e o Iraque) no “eixo do mal”, com todas as sinistras implicações de tal caracterização. Em Discurso do Primeiro de Maio de 2003, Fidel Castro respondeu energicamente, lembrando o fiasco da intentona de invasão na Baía dos Porcos e a humilhante derrota dos EUA no Vietnã; destacando que caso Cuba seja atacada, como foram o Afganistão e o Iraque: “os agressores não estariam apenas enfrentando um exército, mas milhares de exércitos que constantemente se reproduziriam e fariam o inimigo pagar preço tão alto em baixas que excederia em muito o custo em vidas de seus filhos e filhas que o povo americano estaria disposto a pagar pelas aventuras do presidente Bush”
O golpe militar em Honduras, já sob o governo Obama, é uma manifestação da nova estratégia contra-revolucionária e especificamente golpista dos EUA na América Latina; que neste “primeiro round” conseguiu o que pretendia: afastar um presidente progressista democraticamente eleito e substitui-lo por gente da sua inteira confiança. Essa vitória do imperialismo não deve ser subestimada porque se integra numa estratégia ambiciosa, que visa a neutralizar o movimento de contestação dos povos da América Latina à dominação dos EUA.
Parte importante desta estratégia é o revigoramento da persistente campanha contra a Revolução Cubana desatada pela ditadura da mídia internacional, encabeçada pelo poder des-informador, manipulador e caluniador dos EUA. Esta pérfida campanha se inscreve nos marcos do contra-ataque dos EUA e seus aliados respondendo à onda transformadora que desde o final do século XX e começo do XXI emerge na América Latina; e que tem como uma de suas manifestações a formação de governos revolucionários na Venezuela e Bolívia, ou progressistas independentes como no Equador. É parte de uma estratégia para reverter os recentes avanços e conquistas que puderam ser realizadas a partir da firmeza com que a Revolução Cubana enfrentou a onda conservadora das últimas décadas do século passado. Obama adotou em relação a Cuba uma política de tensão progressiva. Agora, em 2010, o governo Obama decreta arbitrariamente a inclusão de Cuba como “Estado terrorista” a ser derrubado na nova escalada do agressivamente promovido “novo século americano”. O novo governo autoriza as ações da “Comisssão Especial Para promover a Mudança de Regime em Cuba” (eufemismo utilizado para não dizer “promover a contrarrevolucão”); organização interna do próprio Departamento de Estado, criada por George W. Bush, que dispõe de um orçamento anual de 59 milhões de dólares (sem contar as verbas que se destinariam por “vias encobertas”) dos quais 36 milhões estariam destinado a fomentar e financiar as atividades dos “disidentes”. Trata-se, segundo Informe Oficial da “Comissão” (publicado em 2004, com 458 pp.) da “criação da oposição em Cuba” e do lançamento de uma “poderosa ofensiva de propaganda” para a robusrtecer e dar credibilidade. Para resumir, trata-se de apresentar como una nobre e patriótica dissidência interna os agentes da metódica aplicação de um projeto imperialista, desenhado para cumprir o velho sonho da direita estadunidense de apoderar-se definitivamente de Cuba.
Atolados em guerras perdidas no Iraque e no Afeganistão, alarmados com o caos paquistanês e incapazes, até agora, de impor a sua vontade ao Irã – o único grande pais muçulmano da Ásia que desenvolve uma politica independente – o sistema de poder dos EUA sentiu o perigo do “avanço revolucionário” dos povos da América Latina. O precedente de Cuba assusta o Império! Quanto mais evidente se torna a fase senil do capitalismo, maior é a pressão e o recurso à mentira e à falsidade dos meios de comunicação do sistema contra Cuba e todos os que se opõem coerentemente ao sistema. Um intenso trabalho de desinformação e descrédito montado pela CIA, com financiamento canalizados pelo Escritório de Interesses dos EUA em Havana, conflui em nova (e literalmente milionária) campanha que busca re-atualizar a estigmatização de Cuba; numa nova tentativa de isolar internacionalmente um país perseguido por ser pioneiro da segunda independência da Nossa América; o único pais que conseguiu consolidar uma revolução de orientação socialista no hemisfério ocidental. O mais recente instrumento da campanha de difamação de Cuba é um comunicado empapado de mentiras até à medula e assinado por “intelectuais” a circular nos blogs criados pela CIA, referindo-se ao desfecho da “greve de fome” de Zapata Tamayo, apresentando-o como “um dissidente político” que teria sido “brutalmente torturado” até a morte (o que é mais uma comprovada mentira). A lista dos pretensos “presos políticos” cubanos, a mais inflacionada de todas, não chega a 50, entre os quais encontramos apenas pessoas que recebiam salário da CIA para fomentar a desintegração social e pessoas que estão presas por terem cometido atentados terroristas (como colocar bombas em hotéis). Zapata não era um “dissidente”, nem um preso político; mas um delinquente comum que foi aliciado na prisão por um grupo terrorista coordenado pela CIA, cujo membro mais famoso é Posada Carriles, que assassinou 73 pessoas no atentado contra o avião cubano em 1976 em Barbados. A família de Zapata começou então a receber dinheiro de organizações da máfia de Miami, como a Fundação Nacional Cubano Americana, financiada pelo governo americano e responsável pela morte de inúmeros civis devido a ações terroristas em Cuba. Incitaram-no a fazer esta greve da fome com base em curiosa petições (telefone, televisão e cozinha na cela). Ainda que se tenha negado sempre a receber assitência médica, foi tratado e atendido contra sua vontade em vários hospitais do país; mas faleceu devido a doença nos pulmões (Cf. José Manzaneda http://www.kaosenlared.net/noticia/orlando-zapata-delincuente-convertido-martir-estrategas-guerra-contra-).
Mas o que é um “dissidente político”? O Dicionário de Política de Norberto Bobbio define o “dissenso” como “qualquer forma de desacordo sem organização estável e, portanto, não institucionalizada, que não pretende (...) derrubar o sistema político vigente”. Mais adiante assinala que existe um limite que, uma vez ultraspassado, converte o “dissenso”, e os disidentes, em outro fenômeno. Atílio Borón apanha o nó da questão quando contrasta notáveis dissidentes políticos – como Sakahrov (na ex-URSS) e Martin Luther King (nos EUA), que foram implacaveis críticos de seus governos, mas jamai se colocaram a serviço de um Estado estrangeiro que ambicionava oprimir a sua pátria – com a suposta “dissidência cubana”, que “se enquadra em outra figura jurídica. Isto não só porque o seu propósito é subverter a ordem constitucional e derrubar o sistema”; mas porque, e este é o ponto realmente esencial: “querem fazê-lo pondo-se a serviço de uma potência inimiga, os Estados Unidos, que há meio século agride Cuba por todos os meios imaginavéis. Os que recebem dinheiro, acessoria, e orientações de um país objetivamente inimigo de sua pátria e atuam em congruência con as intenções imperiais de precipitar uma “mudança de regime”. Podem ser considerados como ‘dissidentes políticos’?” () Segundo a Constituição dos EUA (§ III, Sec. 3) este tipo de crime (mesmo quando não implica em atentados terroristas) é considerado “delito de traição” e a sanção por este delito pode chegar a pena de morte. Borón realiza uma revisão dos critérios de Constituições de vários países para demonstrar que “o que a imprensa do sistema denomina dissidencia é o que em qualquer país do mundo – começando pelos Estados Unidos – seria considerado como traição a pátria, e nenhum dos acusados jamais seria considerado como um ‘dissidente político’. No caso dos cubanos, todos os chamados dissidentes estão incursos no delito de unir-se a uma potência estrangeira em aberta hostilidade contra a nação cubana, receber de seus representantes – diplomáticos ou não – dinheiro e toda sorte de apoios logísticos para destruir a ordem criada pela revolução” (Id. Ibiem).
Até aqui examinamos uma política hipócrita, mas a seu modo “coerente”; isto é que está de acordo com a miséravel “racionalidade” contra-revolucionária que é fruto de um ódio visceral (irracional de uma perspectiva humanista totalizante) de um império militarista decadente, incapaz de admitir as causas profundas de seus fracassos nas tentativas de recolonização de Cuba e de subversão de sua heróica revolução. Estranha é a posição assumida (e assinada) pela LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional), sob o título “A morte de Orlando Zapata e as liberdades em Cuba” (publicado no Correio Internacional 157, março de 2010, que se encontra na página eletrônica do PSTU). Para a LIT-QI Orlando Zapata Tamoyo (ou “a organização a que estava ligado”) tinha sim posições pró-capitalistas; mas ele era um “preso de consciência” do regime cubano que teria se transformado em “uma ditadura capitalista” e “nesses casos, os revolucionários chamam a uma ampla unidade de ação, inclusive com os setores burgueses, para combter as ditaduras”. Para justificar uma aliança com a máfia cubana de Miami, com os grupos terroristas fascistas e com a CIA para derrubar a “ditadura castrista”, a LIT-QI recorre a pirueta “teórica” (sic) de identificar o poder revolucionário cubano com as ditaduras militares de extrema direita que vitimaram o Cone Sul entre as decadas de 1960 e meados de 1980. Seguindo em suas tortuosas elocubrações por “analogia”, a LIT-QI lembra que o ex-presidente norte-americano Jymmy Carter “questionou” a ditadura argentina quando estava a frente da Casa Branca e hoje Obama também defende as “liberdades democráticas” em Cuba tentando “vender uma imagem similar”. Logo, conclui triunfalmente a nota, “a esquerda” deve seguir em Cuba a mesma tática do novo presidente estadunidense para não “facilitar a política do imperialismo de identificar a esquerda e o socialismo com a falta de democracia” e tirar Cuba “das mãos do castrismo” que estaria “à serviço do imperialismo europeu e canadense”. FRANCAMENTE!
Será que o PSTU se descuidou e permitiu uma infiltração de provocadores de direita na sua página eletrônica? Infelizmente não! A coisa é mais grave! O PSTU confirmou sua identificação política com estas posições da LIT-QI. Esta “Liga” já havia se aliado com a direita venezuelana (as numerosas instituições do governo estadunidense, as Fedecameras, os monopólios de comunicação privados e a alta hierárquia reacionária da Igreja Católica) para derrotar (por uma margem de 1,4% dos votos sobre nove milhões de votantes) o referendo à avançada Constituição que continha transformações revolucionárias proposta pelo presidente Chávez em 2007 (crucial não só pelas medidas políticas radicalmente democratizantes, como para libertar a Venezuela da dependencia do petróleo e do controle capitalista dos setores financeiros e produtos estratégicos). Em 2008, chamou o boicote ao referendo revogatório, convocado por Evo Morales; provocando a divisão entre o movimento de operários e camponeses; levando água ao moinho do processo desestabilizador que sofre o presidente boliviano pelas mãos da extrema-direita separatista de Santa Cruz de la Sierra, em conspiração abertamente apoiada pelo Estado imperialista norte-americano.
Para ser coerente - sem prejuízo de sua aliança “internacionalista” com Obama, os falcões do Pentágono e os gorilas de todos os quadrantes - o PSTU deveria buscar também aliados caseiros. Certamente tais idéias do PSTU proporcionariam um conveniente enfeite “de esquerda” à raivosa propaganda da grande burguesia contra a “ditadura cubana” e teriam seu momento de brilho e fama ao plim-plim dos holofotes de The Globe (esta rede de TV e de jornais Estadunidense, com sede no Rio de Janeiro e a família Marinho como testa de ferro). Este programa “democrático” do PSTU seria certamente muito bem recebidos também pelo deputado Jair Bolsonaro, notório prócer da ultradireita brasileira, que divulgou manifesto com a mesma linha política: “irrestrito apoio e solidariedade aos presos políticos que, em Cuba, lutam por liberdade e democracia naquele país”.
Nós preferimos outras companhias, até porque consideramos que superar a ameaça militar a que Cuba está submetida é causa comum de toda humanidade, em particular de todos os comunistas, socialistas, revolucionários e democratas consequentes (aqueles que não temem avançar para o socialismo). Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para contribuir na mobilização de nossos povos, dos seus trabalhadores e trabalhadoras, do campo e da cidade, de seus jovens e de suas mulheres, de seus povos originarios e de seus intelectuais… a empregar a fundo todo o nosso talento, energia e criatividadade para defender Cuba e frustrar as perversas intenções da cruzada contrarevolucionária com sede em Miami e Washington.
A democracia em sentido radical – o governo do povo para o povo – começa necessariamente nas comunidades locais, aonde as pessoas nas vizinhanças e nos lugares de trabalho organiza e dirige seus próprios assuntos. Neste sentido, Cuba tem um poderoso sistema de democracia local. A indicação direta de candidatos nas reuniões comunitárias e sua eleição como delegados municipais do poder popular em eleições com voto secreto e vários candidatos, mais a obrigação dos eleitos prestarem contas pessoalmente a cada seis meses em várias reuniões locais (com a possibilidade real de revogação do mandato), garante um grau de participação e controle local com o qual nenhum país burguês pode rivalizar (v. sobre o tema Arnold August, Democracia em Cuba y las Elecciones de 1997-98, Ed. José Martí, La Habana, 1999; e Peter Roman – People A’s Power, Roman & Littlefield, Lanham, MD, 2003). A Revolução Cubana, apesar do bloqueio e das inúmeras agressões e provocações de que é alvo mantém a mais efetiva democracia popular direta do mundo e conquistas sociais mais amplas e profundas que qualquer país capitalista. É certo que há muito que avançar na construção de uma democracia socialista desenvolvida e que as condições de cerco imperialista que força Cuba a viver em permanente estado de emergência; criam condições desfavoráveis para a conquistas de muitos objetivos socialistas fundamentais, tanto na esfera econômica, quanto na político-cultural. Mas não se pode simplesmente que esperar que estas condições deixem de existir só porque o desejamos; não se pode deixar de responder a elas de modo responsável e prudente. É claro que não se deve prolongar tal estado de emergência (ou deixar acelerar a revolução em termos de igualdade substantiva e de transferência progressiva de todo o poder aos “produtores associados”) além do historicamente justificável. Na URSS, nos primeiros anos que se seguiram à Revolução de Outubro, o país teve que enfrentar a extrema privação de um autêntico estado de emergência; mais tarde esta situação, antes plenamente justificada, foi prolongada artificialmente bloqueando o desenvolvimento da democracia socialista. Evidentemente, não existe nada de artificial no dolorosamente longo estado de emergência de Cuba diante das ameaças militares constantemente renovadas e intensificadas de seu poderoso inimigo preponderante.
A Revolução Cubana demonstrou seu internacionalismo e solidariedade da forma mais tangível, com as causas da emanciapção humana em inúmeras ocasiões. Desde o corajoso apoio aos processos revolucionários da América Latina e Africa (dando litereralmente o próprio sangue), passando pela desprendida formação de estudantes do mundo todo e mantém em muitos países periféricos, sobretudo na América Latina, até o generoso compromisso extraordinários de milhares de internacionalistas cubanos, proporcionando serviços profissionais das áreas da saúde da família e da educação (com destaque para a luta contra o analfabetismo, já erradicado na Bolívia e na Venezuela) em condições que poucos aceitariam, e que constituem o testemunho vivo da realidade do projeto socialista do país Mas a solidariedade é uma rua de mão dupla. A solidariedade internacioanal tem condições de dar uma contribuição significativa para o próximo meio século da Revolução Cubana. Devemos aprofundar a luta em defesa da Revolução Cubana, apostando sempre na sua promissora capacidade de superar encruzilhadas e limites, de recriar-se e renovar-se constantemente. Cada momento tem um significado essencial que não se perde em seguida: as forças revolucionárias se acumulam e, na luta, gerak a aceleração em espiral, pela qual um patamar mais complexo da revoluçãopassa a ser o ponto de partida de uma evolução subsequente ainda mais complexa. Cuba ficou permanentemente aberta todos os caminhos do socialismo. A Revolução Cubana teve sempre um caráter aberto, autocrítico, experimentado vários caminhos que conduzem ao socialismo; e há muitas razões que aumentam a esperança otimista de que forjará, em tempo, saídas próprias de contrução do socialismo e de passagem ao comunismo. Agora é imperioso fortalecer ao máximo a solidariedade à Cuba, por Cuba e por todos nós porque as implicações do ressurgimento de um poderoso e massivo movimento socialista revolucionário serão tanto mais impactantes quanto mais e melhor Nossa Ilha Socialista resistir nestes tempos difíceis de ofensiva contra-revolucionária.
Corrente Comunista Luis Carlos Prestes
Criada em Goiás associação de solidariedade a Cuba
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*Thaís Falone, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) |
Foto:Vinícius Schmidt Santos *
Por Sturt Silva
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