20 Outubro 2011
A foto divulgada pelos contra-revolucionários do CNT elimina dúvidas: Muamar Khadafi morreu.
Notícias
contraditórias sobre as circunstâncias da sua morte correm o mundo,
semeando confusão. Mas das próprias declarações daqueles que exibem o
cadáver do líder líbio transparece uma evidência: Khadafi foi
assassinado.
No
momento em que escrevo, a Resistência líbia ainda não tornou pública
uma nota sobre o combate final de Khadafi. Mas desde já se pode afirmar
que caiu lutando.
A
midia a serviço do imperialismo principiou imediatamente a transformar o
acontecimento numa vitória da democracia, e os governantes dos EUA e da
União Europeia e a intelectualidade neoliberal festejam o crime,
derramando insultos sobre o último chefe de Estado legitimo da Líbia.
Essa
atitude não surpreende, mas o seu efeito é oposto ao pretendido: o
imperialismo exibe para a humanidade o seu rosto medonho.
A
agressão ao povo da Líbia, concebida e montada com muita antecedência,
levada adiante com a cumplicidade do Conselho de Segurança da ONU e
executada militarmente pelos EUA, a França e a Grã Bretanha deixará na
História a memória de uma das mais abjectas guerras neocoloniais do
início do século XXI.
Quando
a OTAN começou a bombardear as cidades e aldeias da Líbia, violando a
Resolução aprovada sobre a chamada Zona de Exclusão aérea, Obama,
Sarkozy e Cameron afirmaram que a guerra, mascarada de «intervenção
humanitária», terminaria dentro de poucos dias. Mas a destruição do país
e a matança de civis durou mais de sete meses.
Os
senhores do capital foram desmentidos pela Resistência do povo da
Líbia. Os «rebeldes», de Benghazi, treinados e armados por oficiais
europeus e pela CIA, pela Mossad e pelos serviços secretos britânicos e
franceses fugiam em debandada, como coelhos, sempre que enfrentavam
aqueles que defendiam a Líbia da agressão estrangeira.
Foram
os devastadores bombardeamentos da OTAN que lhes permitiram entrar nas
cidades que haviam sido incapazes de tomar. Mas, ocupada Tripoli, foram
durante semanas derrotados em Bani Walid e Sirte, baluartes da
Resistência.
Nesta
hora em que o imperialismo discute já, com gula, a partilha do petróleo
e do gás libios, é para Muamar Khadafi e não para os responsáveis pela
sua morte que se dirige em todo o mundo o respeito de milhões de homens e
mulheres que acreditam nos valores e princípios invocados, mas
violados, pelos seus assassinos.
Khadafi afirmou desde o primeiro dia da agressão que resistiria e lutaria com o seu povo ate à morte.
Honrou a palavra empenhada. Caiu combatendo.
Que
imagem dele ficará na História? Uma resposta breve à pergunta é hoje
desaconselhável, precisamente porque Muamar Khadafi foi como homem e
estadista uma personalidade complexa, cuja vida reflectiu as suas
contradições.
Três Khadafis diferentes, quase incompatíveis, são identificáveis nos 42 nos em que dirigiu com mão de ferro a Líbia.
O
jovem oficial que em 1969 derrubou a corrupta monarquia Senussita,
inventada pelos ingleses, agiu durante anos como um revolucionário.
Transformou uma sociedade tribal paupérrima, onde o analfabetismo
superava os 90% e os recursos naturais estavam nas mãos de
transnacionais americanas e britânicas, num dos países mais ricos do
mundo muçulmano. Mas das monarquias do Golfo se diferenciou por uma
politica progressista. Nacionalizou os hidrocarbonetos, erradicou
praticamente o analfabetismo, construiu universidades e hospitais;
proporcionou habitação condigna aos trabalhadores e camponeses e
recuperou para uma agricultura moderna milhões de hectares do deserto
graças à captação de águas subterrâneas.
Essas
conquistas valeram-lhe uma grande popularidade e a adesão da maioria
dos líbios. Mas não foram acompanhadas de medidas que abrissem a porta à
participação popular. O regime tornou-se, pelo contrário, cada vez mais
autocrático. Exercendo um poder absoluto, o líder distanciou-se
progressivamente nos últimos anos da política de independência que
levara os EUA a incluir a Líbia na lista negra dos estados a abater
porque não se submetiam. Bombardeada Tripoli numa agressão imperial, o
país foi atingido por duras sanções e qualificado de «estado
terrorista».
Numa
estranha metamorfose surgiu então um segundo Khadafi. Negociou o
levantamento das sanções, privatizou empresas, abriu sectores da
economia ao imperialismo. Passou então a ser recebido como um amigo nas
capitais europeias. Berlusconi, Blair, Sarkozy, Obama ,Sócrates
receberam-no com abraços hipócritas e muitos assinaram acordos
milionarios , enquanto ele multiplicava as excentricidades, acampando na
sua tenda em capitais europeias.
Na última metamorfose emergiu com a agressão imperial o Khadafi que recuperou a dignidade.
Li algures que ele admirava Salvador Allende e desprezava os dirigentes que nas horas decisivas capitulam e fogem para o exílio.
Qualquer
paralelo entre ele e Allende seria descabido. Mas tal como o presidente
da Unidade Popular chilena, Khadafi, coerente com o compromisso
assumido, morreu combatendo. Com coragem e dignidade.
Independentemente
do julgamento futuro da História, Muamar Khadafi será pelo tempo afora
recordado como um herói pelos líbios que amam a independência e
liberdade. E também por muitos milhões de muçulmanos.
A Resistência, aliás, prossegue, estimulada pelo seu exemplo.
Vila Nova de GAIA, no dia da morte de Muamar Khadafi
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