Por Carlos Lopes Pereira*
Faz agora meio século. Foi a 17 de
Janeiro de 1961 que agentes do colonialismo belga e do imperialismo
norte-americano, com a conivência de traidores congoleses, assassinaram
de forma bárbara Patrice Lumumba, combatente da independência da sua
terra e primeiro chefe do governo da República do Congo. Apesar de ter
desaparecido há 50 anos, ainda muito jovem, a sua figura emerge hoje
como a de um patriota íntegro e corajoso, de um lutador anticolonialista
e anti-imperialista. Em África, na Ásia e na América Latina, diferentes
gerações de revolucionários admiram-no, a par de Kwame Nkrumah, Amílcar
Cabral, Agostinho Neto ou Samora Machel, como um herói da libertação
africana cujo legado se mantém actual e inspira novas lutas pela
emancipação social dos povos do continente e de todo Mundo.
A biografia de Patrice Lumumba
pode ser resumida em poucas linhas. Nasceu em 2 de Julho de 1925, filho
de camponeses pobres, na aldeia de Onalua, na província do Kasai, na
então colónia do Congo Belga (mais tarde República do Congo, depois
Zaire e hoje República Democrática do Congo). Fez os estudos primários
numa escola missionária católica - a única possibilidade para muitos
jovens africanos da época - e, na juventude, trabalhou como funcionário
dos correios e empregado de algumas companhias belgas.
A partir dos 23 anos participou
activamente na vida política da sua terra, então uma possessão belga,
desenvolvendo os seus ideais independentistas e sofrendo com isso a
repressão dos colonialistas belgas - esteve várias vezes preso. Foi
sindicalista, escreveu em jornais como o «Uhuru» («Liberdade») e
«Independance» e, em 1958, fundou e tornou-se líder do maior partido
nacionalista congolês, o Movimento Nacional Congolês (MNC) - o único
constituído em bases não tribais.
Em 1958-1959 assistiu, em Accra,
capital do recém-independente Gana, de Nkrumah, à primeira conferência
pan-africana dos povos - onde foi eleito para o seu secretariado
permanente -, e em Ibadan, na Nigéria, a um seminário internacional
sobre cultura, onde fez um discurso defendendo a unidade africana e a
independência nacional.
No começo de 1960, em Bruxelas,
participou na conferência belga-congolesa em que foi acordada, entre os
nacionalistas congoleses e a potência colonial, a independência do
Congo, imposta pela longa resistência popular e pelas reivindicações das
forças nacionalistas.
Nas eleições parlamentares de
Maio de 1960, o MNC e partidos que o apoiavam conquistaram a maioria dos
votos. A 30 de Junho o Congo tornou-se independente e Patrice Lumumba
foi nomeado primeiro-ministro do governo da república. O seu discurso
nesse dia permanecerá nos anais da diplomacia mundial como uma peça
oratória magnífica, em que o jovem dirigente africano, na presença do
rei Balduíno, da Bélgica, e de outros dignitários estrangeiros,
denunciou abertamente os crimes hediondos do colonialismo belga sobre o
povo congolês e traçou as perspectivas do futuro Congo, liberto das
grilhetas da dominação estrangeira.
Em Setembro desse ano Lumumba
foi demitido pelo presidente Kasavubu, apoiado pelos Estados Unidos e
por militares golpistas comandados por um certo coronel Mobutu. Em
Novembro é preso e, a 17 de Janeiro de 1961, depois de meses de detenção
ilegal, é barbaramente torturado e assassinado. Não tinha ainda
completado 36 anos e idade.
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Historiadores e jornalistas que
investigaram as circunstâncias do assassinato de Patrice Lumumba
convergem na descrição do que se passou nesse deplorável 17 de Janeiro
de 1961.
De manhã, a polícia política
mobutista foi buscar Lumumba à prisão de Thysville e meteu-o num avião,
com mais dois companheiros, Mpolo e Okito, enviando-os para a capital do
Katanga «independente». Durante a viagem para Elizabethville (depois
Lubumbashi), os presos sofreram agressões selváticas e, chegados ao
aeroporto, foram recebidos por militares secessionistas catangueses e
mercenários belgas. Atirados para dentro de um jipe e levados para uma
quinta próxima, foram fuzilados nessa noite por um pelotão comandado por
um oficial belga. Os seus verdugos fizeram desaparecer os corpos de
Lumumba e seus dois companheiros.
Mais tarde, uma comissão das
Nações Unidas encarregada de investigar o assassinato do jovem líder
congolês responsabilizou pelo crime a administração de Léopoldville
chefiada pelo então presidente Kasavubu e onde pontificava já Mobutu; as
autoridades do Katanga; responsáveis da empresa belga Union Minière du
Haut Katanga; e um grupo de mercenários ao serviço de Tchombé, líder dos
secessionistas catangueses.
É conhecido também que uma outra
comissão, esta do Senado dos Estados Unidos, que em meados dos anos
Setenta do século passado investigou as actividades dos serviços de
«intelligence» norte-americanos, descobriu que a CIA organizou em Agosto
de 1960 - o Congo era independente há apenas dois meses! - uma
conspiração com o «objectivo urgente e prioritário» de assassinar o
primeiro-ministro congolês. Para Allen Dulles, o então director dos
serviços secretos norte-americanos, Patrice Lumumba era «um perigo
grave» que os Estados Unidos tiveram que eliminar.
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O afastamento de Lumumba da
chefia do governo, a sua prisão e o seu assassinato foram o resultado
conjugado dos interesses do colonialismo belga - que, apesar da
independência do Congo, continuou a pretender explorar a seu bel-prazer
as riquezas do país - e da intervenção do imperialismo norte-americano,
através da CIA - o jovem primeiro-ministro era considerado por
Washington um «esquerdista», simpatizante da União Soviética -,
coniventes com as Nações Unidas e com sectores da burguesia congolesa
que não hesitaram em trair o seu povo e aliar-se à dominação
estrangeira.
Um factor decisivo da tragédia
congolesa foi a secessão do Katanga, província congolesa rica em
minérios, que Moisés Tchombé proclamou independente do Congo, financiado
pela companhia Union Minière e com apoio de soldados belgas e de
mercenários. O presidente Kasavubu e o primeiro-ministro Lumumba
apelaram à intervenção das Nações Unidas, que enviou uma pequena força
para o país, sem conseguir evitar a guerra civil, que se prolongou até
1964. No ano seguinte, neste contexto de prolongada conflitualidade,
Mobutu assumiu a liderança do país, rebaptizado como Zaire, e implantou
uma ditadura sangrenta, reinando despoticamente até 1997, como um
fantoche dos Estados Unidos e das potências ocidentais.
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Já preso pela soldadesca
golpista e antes de ser entregue aos secessionistas catangueses e
mercenários estrangeiros que o haviam de assassinar poucos dias depois,
Lumumba escreveu uma carta de despedida a sua mulher Pauline, em que
reafirma a sua confiança no futuro. São belas e comoventes, mas cheias
de esperança, essas breves palavras, publicadas mais tarde pela revista
«Jeune Afrique»:
«(…) Não estamos sós. A África, a
Ásia e os povos livres e libertados de todos os cantos do mundo estarão
sempre ao lado dos milhões de congoleses que não abandonarão a luta
senão no dia em que não houver mais colonizadores e seus mercenários no
nosso país. Aos meus filhos, a quem talvez não verei mais, quero
dizer-lhes que o futuro do Congo é belo e que o país espera deles, como
eu espero de cada congolês, que cumpram o objectivo sagrado da
reconstrução da nossa independência e da nossa soberania, porque sem
justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres.
Nem as brutalidades, nem as
sevícias, nem as torturas me obrigaram alguma vez a pedir clemência,
porque prefiro morrer de cabeça erguida, com fé inquebrantável e
confiança profunda no destino do meu país, do que viver na submissão e
no desprezo pelos princípios sagrados. A História dirá um dia a sua
palavra; não a história que é ensinada nas Nações Unidas, em Washington,
Paris ou Bruxelas, mas a que será ensinada nos países libertados do
colonialismo e dos seus fantoches. A África escreverá a sua própria
história e ela será, no Norte e no Sul do Sahara, uma história de glória
e dignidade.
Não chores por mim, minha
companheira, eu sei que o meu país, que sofre tanto, saberá defender a
sua independência e a sua liberdade.
Viva o Congo! Viva a África!».
Para os revolucionários do
século XXI em África e em todo o mundo, que hoje continuam a lutar em
condições diferenciadas contra a dominação imperialista e a exploração
capitalista, Patrice Lumumba continua bem presente com o seu exemplo de
patriota e combatente pela liberdade. E são de uma enorme actualidade as
ideias que defendeu generosamente e pelas quais deu a vida - a urgência
da independência nacional e da genuína soberania para todos os países, a
unidade africana, a luta intransigente contra o colonialismo e o
neocolonialismo, o combate pela emancipação social dos povos.
* Jornalista, amigo e colaborador de odiario.info.
Este texto foi publicado no Avante nº 1.938 de 20 de Janeiro de 2011.

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