Filha de Prestes e Olga, a historiadora Anita Prestes analisa os desafios para a esquerda na América Latina
25/10/2012
Vivian Virissimo,
do Rio de Janeiro (RJ)
Brasil de Fato
Filha dos militantes políticos Luís Carlos Prestes e Olga Benário, a
historiadora e professora Anita Prestes palestrou no primeiro módulo do
curso “Brasil de Fato – Atualidades e desafios das lutas na América
Latina” realizado no dia 10 de outubro, na sede do Sindipetro, no Rio de
Janeiro. Nesta entrevista, Anita destacou que transformações profundas
na sociedade brasileira só serão possíveis por meio da organização dos
setores populares. “Dessa organização popular surgirão lideranças que
deverão construir um ou mais partidos que liderem esse processo”,
defendeu.
Segundo ela, além da organização popular há necessidade de articulação
de outro aspecto fundamental: a formação da consciência política dos
movimentos, sobretudo de suas lideranças. “Porque se esses setores
populares organizados não souberem para onde vão e para o que eles têm
que lutar eles serão levados à derrota – na melhor das hipóteses”,
lembra.
Brasil de Fato – O tema geral do curso do Brasil de Fato é
“Atualidade e os desafios das lutas na América Latina”. Na sua visão,
qual é o maior desafio das lutas na América Latina hoje?
Anita Prestes – É difícil dizer qual é o maior desafio. Parece-me que no
momento é defender e assegurar a continuidade da revolução na
Venezuela, que é o ponto mais avançado das lutas pelas transformações
profundas, sociais e políticas, tendo em vista em longo prazo o
socialismo. Essa eleição com a vitória do presidente Hugo Chávez foi um
momento muito importante de reafirmação deste processo. Mas não se pode
perder a vigilância porque se de um lado foi uma vitória, por outro
lado, o inimigo, principalmente o imperialismo, vai fazer tudo para
reverter essa vitória. Portanto é muito importante que as forças
democráticas, progressistas, de esquerda no continente e diria mais, no
mundo, estejam atentos para impedir qualquer provocação e qualquer
retrocesso nesse processo que seria muito ruim não só para o povo
venezuelano, mas para toda a América Latina.
O que falta no Brasil para termos estas transformações profundas?
Eu diria que só conseguiremos estas transformações profundas com o
socialismo. Com o regime socialista, que é o exemplo de Cuba, isso ficou
muito claro. A própria ONU e outras entidades internacionais reconhecem
que em Cuba foi resolvido o problema da saúde pública, do ensino
público. Um país pequeno, com limitações muito grandes do ponto de vista
da economia, das suas riquezas naturais, ainda por cima com um bloqueio
violento de 50 anos e conseguiu resolver esses problemas com o regime
socialista. Claro que no Brasil não vamos conquistar o socialismo da
noite para o dia, pois é um processo longo e demorado e acho que só
chegaremos lá por meio da organização popular. Dessa organização popular
surgirão lideranças que deverão construir um ou mais partidos que
liderem esse processo. Eu vejo dessa maneira.
Como a senhora avalia a atuação das esquerdas na preparação das
forças sociais nesse processo de organização popular? O que se avançou e
o que precisa melhorar?
Avançou-se bastante em termos de organização popular principalmente com o
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Pela primeira vez no
Brasil, temos realmente um movimento que abrange todo o território e que
tem feito mobilização dos setores dos trabalhadores expulsos pelo
agronegócio. Então esse movimento é um avanço, se a gente olha para o
passado do Brasil em que as classes dominantes sempre conseguiram evitar
e impedir a organização popular. Mas isso ainda é muito pouco. Os
próprios companheiros do MST reconhecem que nas cidades – 90% da
população brasileira é urbana – o movimento dos trabalhadores ainda está
muito desorganizado, sob influência dos chamados pelegos: lideranças
sindicais que invés de levar adiante a luta pelos interesses dos
trabalhadores conciliam com os interesses dos patrões: essa é a
realidade. Então o movimento sindical urbano deixa muito a desejar, a
desorganização popular ainda é muito grande no Brasil, as chamadas
esquerdas são muito esfaceladas e com pouquíssima penetração. Lembrando o
que meu pai, Luís Carlos Prestes, sempre dizia, vai ser a partir das
lutas populares que surgirão novas lideranças. A própria prática do MST
mostra isso: na medida em que houve lutas, surgiram novas lideranças. E
as mais lúcidas e comprometidas com os interesses populares
inevitavelmente terão que marchar para aprofundar seus conhecimentos do
marxismo, a única teoria que permite realizar transformações viáveis e
que conduzam ao socialismo. Então essas lideranças terão que organizar
partidos efetivamente revolucionários. O que, por enquanto, considero
que não existe no Brasil.
Numa perspectiva histórica, a senhora analisa que até mesmo
lideranças progressistas desestimulam a organização popular no Brasil.
Por que isso ocorreu?
Esse período muito extenso de mais de vinte anos de ditadura impediu o
surgimento de novas lideranças e as antigas foram morrendo: Arraes,
Brizola, o próprio Prestes. Hoje em dia no Brasil temos muito poucas
lideranças. Uma grande liderança atual que nós temos é o Lula. Fora
disso não existe outra liderança. E essas lideranças que faleceram eram
todas lideranças burguesas que, portanto, não tinham interesse em
organizar os trabalhadores. Com exceção do Prestes, que era do PCB,
partido que cometeu muitos erros, mas que também foi muito combatido e
reprimido. Fora esse caso, o Arraes, Brizola e o próprio Jango eram
políticos que tinham enraizamento popular, tinham influência, mas não
estavam interessados em organizar as massas populares porque eram
caudilhos que temiam que o movimento popular pudesse passar por cima
deles. Aí os interesses burgueses se sobrepõem. Só lideranças que
estejam comprometidas com os interesses populares serão capazes de se
empenhar na organização popular. E, lamentavelmente, não é o caso do
Lula.
Não se trata simplesmente ter uma base popular, mas organizar essa base.
Organizar essa base para lutar. E organizar não só do ponto de vista de
unificar e ter uma estrutura orgânica, mas também lhe dar consciência
política e revolucionária. Há necessidade de articulação desses dois
aspectos: organização e consciência porque se esses setores populares
organizados não souberem para onde vão e para o que eles têm que lutar
eles serão levados à derrota – na melhor das hipóteses. Então isso só
pode ser feito por um partido político que tenha clareza disso e, na
minha opinião, nós não temos esse partido. E Lula, lamentavelmente,
também não quis cumprir esse papel. Ele mesmo diz que repudia os livros
e, além disso, ele sofreu muita influência de intelectuais que o levaram
pelo caminho do reformismo, da conciliação, de ter o poder pelo poder.
Fazer doação aos pobres, no fundo, é uma atitude populista e
paternalista que não rompe com as estruturas existentes. Acabou
distribuindo migalhas para os trabalhadores.
A senhora falou do MST como um exemplo de movimento que consegue ter o
mínimo de organicidade e citou o entrave que é a dificuldade de
organizar os trabalhadores nas cidades. Por que é tão difícil organizar o
povo nas cidades?
É difícil porque historicamente não temos no Brasil tradição de
organização popular. Pela própria formação histórica do Brasil, tivemos
essa classe dominante de senhores de terra e de escravos durante
séculos. A escravidão só acabou no final do século 19 e essa classe
dominante brasileira conseguiu construir um aparato de Estado
extremamente unificado e repressor que impediu qualquer movimento.
Olhando a história do século 19 pipocaram movimentos populares, todos
esmagados com uma violência gigantesca. Se olharmos para o século 20 a
mesma coisa. Pelo estudos que eu fiz, o único movimento brasileiro que
teve algumas características populares e que não foi derrotado, embora
não tenha sido vitorioso, foi a Coluna Prestes. Eles não conseguiram
derrotar, mas também não se conseguiu o objetivo que era tomar o poder,
derrubar o presidente, mas conseguiu sair do Brasil sem ter sido
derrotada e derrotou 18 generais do Exército brasileiro. Eu não conheço
nenhum outro movimento de caráter popular que não tenha sido derrotado
com muita violência. Então essa tradição é um peso muito grande que a
gente carrega, dificulta muito. O brasileiro urbano não tem tradição de
organização, já no campo surgiu o MST com o apoio da igreja com as
comunidades de base, nos anos de 1980, que desempenharam um papel muito
importante.
Nas cidades, os sindicatos brasileiros eram muito organizados e combativos. Em que momento houve foi essa ruptura?
Com o golpe de 1964, o que havia de combativo foi esmagado também. Aí os
pelegos tomaram conta. Hoje a gente vê o movimento sindical basicamente
na mão de setores que ao invés de serem lideranças dos trabalhadores
acabam sendo defensores dos interesses da burguesia e do Estado. Esse é
um problema muito sério que vai ter que ser vencido. Eu considero que
que há algo novo nas greves que têm acontecido no último ano, greves
importantes nas usinas do PAC que estão sendo construídas na Amazônia
com a paralisação de trinta mil trabalhadores. Mas o que falta a esses
movimentos grevistas? Lideranças de um partido revolucionário que
estivesse lá para liderar esse movimento. São explosões. Explosões
espontâneas acontecem, acabam e não vão pra frente.
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