Deixe-me voar contigo sobre continentes e mares, Alberto.
Por Diana Melo Pereira
Dia 5 de março, por volta das quatro horas da tarde, escuto a notícia na rádio Câmara (ou seria a Senado? Não importa). O nome "Alberto Granado" me chama a atenção. Poucos segundos depois vem o conteúdo... Alberto, amigo de Che, que havia realizado a viag...em pela América Latina que deu origem não só ao filme, mas à indignação de Ernesto frente às misérias vividas pelo povo LatinoAmericano, viagem que tinha despertado não só em Che, mas em Alberto, ele próprio, e iria mudar aqueles dois corações e dar esperança a todo um mundo, por gerações... Alberto tinha morrido. Páro e penso: o velhinho se foi. Nenhuma maior sensação nesse momento, só me bate a tarefa urgente de divulgar. Bate o lampejo de uma tristeza que não se sabe muito porque está surgindo, só se percebe, como o tiro levado e a dor surgida, pra depois se perceber que foi de um tiro levado. Venho com a missão daquele parente de alguém que se foi, que por mais próximo tenha que se afastar de si e tomar as providências em relação à morte e as providências que pedem a morte. Venho, noticio. Alguns segundos depois me vêm aqueles que comigo partilharam de um encontro com Alberto Granado e todas e todos pensam... O conhecemos. Que coisa mais esquisita o consolo de que pudemos conhecê-lo e que ele pôde suscitar mais força, alegria e mais luta em nossos corações. Depois da primeira mensagem trocada, as lágrimas rolam em silêncio. As primeiras. Elas vêm junto com as primeiras imagens encontradas, de vídeos em que Alberto aparece, vivo, muito vivo e presente. Imagens encontradas para divulgar Alberto para xs amigas e amigos que não pude levar naquele encontro, naquele final de tarde de domingo, na véspera de voltarmos ao Brasil. Outras lágrimas rolam, porque não consegui levar Renata Pieratti. Amiga que fiz no caminho, na Venezuela... Pessoa que vai ficartambém sempre na memória... Na verdade,lágrimas rolam agora porque não consegui levá-la. O desejo era de ter compartilhado ao máximo, mas foi o que consegui, no meio de tantas incertezas se poderíamos encontrá-lo ou não. Essa tecitura, esse texto, na verdade, é um grande desejo de compartilhar, de levar a todas e todos junto comigo, na memória daquele encontro. Mas por que a alegria e o nervosismo que nos invadiu de visitar Alberto? Sabe aquele sentimento de respeito imenso que não se consegue explicar, diante da primeira pergunta? É só mesmo uma vontade de olhar, apertar a mão, sentir a vibração de quem um dia, pegou uma moto, colocou um grande amigo na garupa e saiu para conhecer a América Latina? Disse ele em uma entrevista "Apesar de nos considerar bem informados, sabíamos que conhecíamos muito sobre a história européia e sobre as civilizações cretense, romana e grega, mas não conhecíamos nada sobre a América Latina. Não sabíamos como eram os mapuches ou onde ficava Machu Picchu." Os caminhos... Não foi bem isso que me colocou a percorrer e ir a Cuba no primeiro aceite interno da viagem. Foi mesmo a curiosidade de passar pela janela aberta. De voar. De seguir o vento para onde ele apontava. Respeito à intuição e ao destino. Depois, no planejamento, o destino mesmo me apontou a possibilidade de conhecer mais que Cuba. Por que não ir de ônibus desde Manaus? Por que não me oportunizar ver gente? Ver terra, ver montanhas? E lá do lado aqui do peito me vinha a lembrança da viagem de Alberto e Ernesto. Na verdade essa lembrança me acompanhava a mais tempo, por uma viagem e vivência dentro da Amazõnia, mas essa é uma outra história... Quem sabe não foi o mesmo espírito de Alberto e Ernesto... E de Renata... E de Ana, de Marília... de Titina... de Juliano e Márcio... Quem sabe? Na véspera da viagem, malas prontas, muitos parênteses abertos, pouco dinheiro, o destino me vem novamente com o vento... Rogério, jornalista, amigo de mais de dez anos, pessoa mais que querida, que conheci nos primeiros passos na Universidade, acabado de chegar de Cuba, me vêm com fotos na mão e me pede: entrega pro Granado... e me dou conta de que é o Alberto Granado... Como uma das muitas coisas vividas vou percebendo o conteúdo pouco a pouco... As coisas chegam assim, me atropelando, velozes, vou por instinto e por pura confiança no vento. Depois tenho a oportunidade de sair de mim por alguns segundos e vejo a coisa acontecendo. Assim foi com Granado. E assim continuará sendo quando me lembrar desse momento e contar sobre ele. Pois bem, indo e voltando no tempo... depois de viajar pelo norte do Brasil, depois de ser acolhida por pessoas desconhecidas, sorridentes e abertas, depois de percorrer a Venezuela de ônibus, depois de ter todos os planos refeitos a força pela própria força do imprevisto, depois de ter vivido 15 dias mais que intensos com pessoas que não existiam antes na minha vida e que depois daqueles dias não se poderiam se fazer mais presentes, depois das despedidas, depois de nem ter digerido tudo, me vem a lembrança das fotos... E me vem a lembrança de Granado... E me vem a mais que vontade fortalecida de ir não só por mim, mas pela possibilidade de viver isso compartilhadamente, com aquelas e aqueles que olhava e me olhavam com ternura e um companheirismo contruídos com uma cumplicidade que todos sabiam e não sabiam explicar de onde vinha... E telefono, meio descrente e ao mesmo tempo cheia de esperança,confiando nos ventos...No meu fraco espanhol e no meu coração forte que pululava ao falar, tentando explicar porque não tinha conseguido entrar em contato antes... E vem aquela compreensão com a desorganização... Escuto ao fundo, Juliano do lado, me dando força a pedido meu, a esposa do Granado dizendo... sobre o meu pedido... "Ella estava en un campamiento" "Haciendo trabajo voluntario" "Tu puedes hablar con ella?" E lá vindo a resposta. Sim. Naquele mesmo dia. Algumas horas, poucas, nos separavam. E ainda havia a fome ao meio... E retorno a pergunta: posso levar amigos? A boa resposta cubana: "No hay problema. Él puede recibir a todos". Dou a noticia e fico quieta, pensando. O que dizer a ele? O que quero que me diga? Tensão inicial: almoço. Demoramos a encontrar um lugar. Tensão segunda: encontrar o caminho. Conseguimos. Chegamos à porta. Dois andares. Porta simpatica. Andamos um pouco ao redor da rua da casa. Pra chegar na hora exatamente marcada. Nessa hora não consigo pensar em nada. Só no nervosismo prévio. Só em esperar os poucos minutos passarem... O que dizer, o que não dizer, por que dizer? Eu já rouca e sem voz por tantos dias vividos, deveria chegar com meu sorriso amarelo e dizer algo que transparecesse: Sr. Granado, me sinto tão honrada de estar aqui que simplesmente não sei o que dizer... Será que eu poderia só ficar aqui, apertar sua mão e esperar que a conversa acontecesse? Fomos. Os sete. Acho que o nervosismo nao era só meu. Fomos. Batemos à porta. Nos receberam e me pus a olhar a sala. Aquelas imagens iam ficar sempre na memória. Sabia disso. Sentamos com ele e na minha pouca voz entreguei as fotos e conversamos com ele. Na sua pouca escuta, nas palavras e perguntas feitas, vi o quanto estava lúcido e da sua vontade de perguntar sobre o Brasil e nos perguntar o que achávamos das coisas. Momento mágico, mesmo nos silêncios. Vontade muito grande de explicar pra ele a fundo o porque das coisas. Estávamos ali porque acreditávamos na solidariedade, na América Latina, na luta por outra realidade, no socialismo... Emoção grande, que embargava a voz. A felicidade de ter estado com ele. A felicidade de compartilhar... A felicidade de acreditar. Foi isso. A solidariedade e o compartilhar, a América latina que se personificava não só nele naquele momento, mas no encontro com ele, no encontro entre aqueles sete e ele, no encontro com a vida, com a esperança. Alberto me trouxe, naquele dia a felicidade da partilha e a crença, mais uma vez, na esperança. E depois, um mês depois, ele se vai. E quando se vai, mesmo quando se vai, pede para ser espalhado por essa terra, ao sabor do vento. "O velório de Granado durou cerca de duas horas e meia em uma funerária de Havana no próprio sábado e, “atendendo a sua vontade”, seu corpo será cremado e suas cinzas espalhadas na Argentina, Cuba e Venezuela." SÍNTESE CUBANA - EDIÇÃO Nº 200... – ANO IV. Espalhado pelos ventos, nos mares e continentes... "Voais comigo sobre continentes e mares", Alberto.... Deixe-me voar contigo sobre continentes e mares, Alberto... Voemos juntos.
Criada em Goiás associação de solidariedade a Cuba
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*Thaís Falone, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) |
Foto:Vinícius Schmidt Santos *
Por Sturt Silva
No último dia 23 de fevereiro, foi...
Há 6 anos
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