Por: Emir Sader9 Out 2011 Emir Sader
(Carta Maior)
A
direita latino-americana vive o pior momento da sua história na
América Latina. Uma situação correlata à expansão, inédita, de tantos
governos progressistas na região e do isolamento dos EUA no continente.
O momento de maior força da direita residiu no auge dos governos
neoliberais, porque ali forças de origens distintas adotavam o
receituário do FMI e do Banco Mundial, confluindo para um consenso
continental inédito em torno das políticas predominantes no campo da
direita em escala internacional. Poder dispor no campo da direita de
partidos conservadores, mas também de forças como o PRI e o PAN no
México, o PS e a DC no Chile, Copei e AD na Venezuela, o peronismo na
Argentina – para dar alguns exemplos eloquentes – revelava uma
capacidade hegemonia do seu projeto, que nunca a direita havia disposto
anteriormente.
Foi um período relativamente breve, mas significativo. Permitiu a
cooptação de partidos até então situados no campo da esquerda –
nacionalistas, social democratas – e a apresentação de uma proposta de
nível continental – as políticas e as áreas de livre comércio,
expressas na Nafta e na Alca -, articulando os EUA e o conjunto do
continente. Além disso, rearticulava a America Latina com o modelo
hegemônico mundial, através da direita, reagrupando forcas de origens
distintas no campo político e ideológico.
Bastou esgotar-se o modelo hegemônico na América Latina, para que
esse castelo de cartas se desmoronasse e promovesse uma imensa crise
de identidade dos partidos que haviam participado do bloco neoliberal,
incluídos os tradicionais da direita e os que tinham se somado aquele
modelo desde outras origens.
Passada uma década de existência de governos progressistas em um
grande número de países do continente – Venezuela, Brasil, Argentina,
Uruguai, Bolívia, Equador, Paraguai, Nicarágua, El Salvador, Peru –, a
situação da direita – e, de forma correlata, dos EUA na América Latina,
– se alterou radicalmente.
As forças que puseram em prática políticas neoliberais pagaram o
preço do caráter antissocial dessas políticas e do seu esgotamento
precoce. Menen, Fujimori, FHC, Carlos Andres Perez, Salinas de Gortari
saíram da presidência repudiados e derrotados politicamente, se
tornaram os símbolos de de ex-presidentes antipopulares. (Menem,
Fujimori, Carlos Andres Perez chegaram a ir para a prisão, Salinas de
Gortari fugiu do México para escapar desse destino.) Seus partidos e
forças aliadas pagaram o preco caro dessa aventura: o peronismo teve
que ser resgatado pelos Kirchner com política radicalmente oposta a de
Menem. AD e Copei praticamente desapareceram como partidos na
Venezuela. O PRI mexicano foi derrotado, pela primeira vez, em 70 anos e
perdeu a presidência; depois de 2 mandatos de continuidade com essas
políticas, deve suceder o mesmo com o PAN. Fujimori nao conseguiu
eleger sucessor, nem construir uma forca política própria. O PSDB foi
derrotado nas 3 eleições presidenciais seguintes aos 2 mandatos de FHC.
Frente a governos que colocaram em prática políticas de saída e
ruptura com o modelo neoliberal, as forças que tinham encarnado esse
modelo ficaram descolocadas. O espectro político foi amplamente ocupado
por coalizões em países como a Argentina, o Brasil, o Uruguai, com
políticas e alianças de centro-esquerda, não deixando espaço para as
forças neoliberais. Estas ficaram diante do dilema de seguir defendendo
políticas que haviam fracassado ou tentar alegar que seus governos
prepararam as condições para o protagonismo das políticas sociais nos
governos que os sucederam, o que, além de tese muito discutível, não
impede que os governos que colocam em prática essas politicas populares
sejam os que os derrotaram e personificam a democratização social.
Na Venezuela, na Bolívia, no Equador, as transformações radicais que
os novos governos levaram à prática conquistaram grande apoio popular,
isolando e derrotando as forças que as tinham antecedido no governo.
Como resultado, as forças de direita ou da neo-direita foram
derrotadas sucessivamente ao longo de toda a década desde o primeiro
triunfo de Hugo Chávez. Os presidentes posneoliberais se reelegeram e,
no caso da Argentina, do Uruguai e do Brasil, elegeram sucessores,
enquanto a oposição, desorientada, ou se divide – como na Argentina, na
Venezuela – ou não consegue obter apoios contra os governos.
Ao mesmo tempo, a tese nortemericana da ALCA foi derrotada já no
começo da década, quando a presidência do projeto, cabendo aos EUA e ao
Brasil, foi combatida por este, apoiado nas grandes mobilizações
populares ao longo da década anterior e no sentimento que foi se
tornando majoritário, a favor dos processos de integração regional e
não dos Tratados de Livre Comércio com os EUA.
Os EUA mantiveram o México e a Colômbia como aliados privilegiados,
além de governos centroamericanos. Mais recentemente perdeu os apoios
na Nicarágua e em El Salvador, além do Peru e da mudança gradual de
posição da Colômbia. Mesmo a vitória da direita no Chile está
neutralizada pela perda acelerada de popularidade de Pinera.
Paralelamente, ocupando os espaços conquistados, constituiram-se a
Unasul, o Conselho Sulamericano de Defesa, o Banco do Sul, consolidando
a hegemonia dos projetos de integração regional – e de alianças com o
Sul do mundo – e o isolamento dos Tratados de Livre Comércio com os
EUA. A crise de 2008 e seu retorno neste ano confirmaram as vantagens
dessa politicas e das alianças com a China, ao invés das alianças
privilegiadas com a estagnada economia norteamericana.
Diante dessas derrotas e isolamento, a direita busca ainda novo
perfil. As derrotas que sofreram recentemente no Uruguai, no Brasil, no
Peru, em El Salvador, as que devem sofrer na Argentina, na Nicarágua,
na Venezuela, prolongam por toda a segunda década do século XXI essa
derrota.
Cabe aos governos progressistas valer-se desses reveses para
aprofundar os projetos posneoliberais, com a consciência que a direita
se travestiu de órgãos da mídia monopolista e que os eixos estruturais
da direita – capital financeiro, empresas do agronegócio, empresas da
mídia privada, que personificam a ditadura do dinheiro, da terra e da
palavra – seguem com muito poder, como alvos estruturais das mudanças
que a luta pela superação do neoliberalismo e pela construção de
sociedades democráticas, igualitárias, humanistas, requer.
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