quarta-feira, 17 de agosto de 2011

UNIVERSIDADE POPULAR NO BRASIL E CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO



Contribuição da Corrente Comunista Luiz Carlos Prestes (CCLCP), do Movimento Avançando Sindical (MAS) e da Juventude Comunista Avançando (JCA) ao 1° Seminário Nacional de Universidade Popular (SENUP).
Agosto de 2011.


     A Universidade é uma instituição-chave da sociedade contemporânea. Sua função social influencia o desenvolvimento de diferentes estruturas sociais fundamentais – como o sistema educacional através do desenvolvimento de pesquisas e da formação de professores; o sistema político com uma formação que busca equacionar o papel do Estado e da política no desenvolvimento nacional; a ciência e a tecnologia como expressão do desenvolvimento das forças produtivas, e de forma mais específica a economia com a formação de trabalhadores para os mais distintos ramos da produção, dentre outras estruturas sociais.
     A universidade é o espaço em que o desenvolvimento das condições materiais de vida (economia, ciência e tecnologia) está diretamente associado ao desenvolvimento da consciência dos indivíduos quanto às estruturas sociais mais adequadas ao desenvolvimento humano. Ou seja, o espaço universitário ao combinar os diferentes campos do conhecimento no processo formativo possibilita refletir sobre o presente tendo como objetivo o desenvolvimento futuro da nação. Esta característica singular da estrutura universitária não é imune às poderosas determinações[1] da estrutura econômica da sociedade, em especial das contradições da formação capitalista.
     Num momento de crise estrutural[2] do capital, com as conseqüências destrutivas de sua produção e reprodução social atingindo as mais diferentes nações em todo o globo (são mais 30 guerras em diferentes nações; aproximadamente 1,2 bilhões de pessoas famintas; aproximadamente 800 milhões de desempregados, contínuo agravamento da catástrofe ambiental e climática), o papel da universidade não pode se resignar a uma mera “correia de transmissão” dos interesses do capital. Ao contrário, as conseqüências da crise estrutural do capital têm colocado em cheque a função-social da universidade de tal maneira que desde a década de 70 a crise universitária tem sido objeto de intensas e profundas análises.
     No âmbito desta exposição podemos apenas indicar que o fundamento da crise universitária está diretamente associado ao caráter manipulatório do desenvolvimento científico subordinado aos interesses do capital. Assim, conhecimento, ciência e tecnologia têm se convertido em elementos de manipulação voltados para a reprodução da ordem do capital. Desenvolvendo-se um estranhamento entre os fins do conhecimento e o seu papel humanizador, que caracteriza o altíssimo grau de alienação presente na práxis universitária contemporânea.
     No Brasil o desenvolvimento universitário ocorre de forma tardia[3] e incorpora as debilidades da estrutura econômica, política e social do capitalismo monopolista dependente e de estado. A estrutura monopolista e dependente da economia brasileira estabelece uma concentração e centralização de riqueza na mão de poucos associados ao capital internacional. Esta estrutura econômica vai determinar os poucos recursos investidos na universidade brasileira, na medida em que, o capital opta pela importação de pacotes tecnológicos, fato que agrava cotidianamente a dependência, não apenas econômica, mas também científica e tecnológica. Por outro lado, uma sociedade em que a riqueza é concentrada no topo da pirâmide social (10% dos mais ricos de têm 75% da riqueza nacional) o regime político é estruturado para a preservação da ordem desigual na forma de um Estado Autocrático. O mecanismo essencial da autocracia de estado é o afastamento do povo das decisões políticas convertendo o estado em um balcão de negócios privados da burguesia nacional sócia menor do capital financeiro internacional, estruturando a esfera da política na forma de uma democracia restrita como meio essencial para a dominação de classe[4].
     O caráter autocrático do estado vai refletir num desenvolvimento universitário interditado para a construção coletiva da universidade, estruturada em conselhos universitários com uma hegemonia de quadros representantes das estruturas administrativas (unidades acadêmicas e pró-reitores), que tecnocraticamente estruturam a vida universitária como um regime de adestramento da força de trabalho ao serviço do capital. As fontes de financiamento são concentradas nos ramos de interesse imediato da reprodução do capital, desenvolvendo uma diferenciação interna na universidade entre centros de excelência (diga-se financiados externamente) e colégios de terceiro grau[5].
     A subordinação da universidade aos interesses do capital tem como meta o fortalecimento da educação como um serviço de mercado, em que a ampla maioria dos estudantes universitários é formada em instituições privadas que têm como objetivo central o lucro. Por outro lado, nas universidades públicas se estimula a privatização interna, através de financiamento de projetos de empresas incubadoras, cursos de especializações pagos, e diferentes tipos de “parcerias” entre a universidade e as empresas privadas.
     Este quadro ainda superficial do desenvolvimento democraticamente restrito da universidade, subordinada essencialmente a reprodução dos interesses de mercado torna explicita a relação predominante da universidade com os interesses do capital, não apenas no âmbito da produção científica, mas essencialmente na formação de uma ideologia que corresponda aos interesses do capital em detrimento dos interesses do conjunto do povo e da nação brasileira.
     É neste contexto de crise estrutural do capital, e de uma instituição influenciada estruturalmente pelo regime autocrático do Estado brasileiro, democraticamente restrita (portanto sua autonomia é extremamente limitada) dependente econômica, cientifica e culturalmente dos países centrais do capitalismo, que a universidade brasileira se apresenta como um dos elementos importantes do desenvolvimento da nação.
     Como instituição-chave da sociedade brasileira responsável pelo desenvolvimento do conhecimento da ciência e da tecnologia, o predomínio dos interesses parciais do mercado tem levado a universidade a um distanciamento cada vez mais profundo dos interesses do povo brasileiro. Trata-se na verdade de um processo em que os interesses particulares de uma classe social (burguesia) predominam de forma quase absoluta sobre os interesses gerais do povo e da nação. Não apenas no plano de desenvolvimento científico e tecnológico, mas fundamentalmente na formação de uma ideologia adequada a lógica do mercado, que reforça as estruturas desiguais do desenvolvimento social, em que a universidade passa a ser um espaço de classificação positiva dentro da ordem social do capital, em que o sucesso individual é colocado como fundamento da formação universitária, e o desenvolvimento do conhecimento, da ciência e da tecnologia a serviço do povo e da nação, quando ocorre, é apenas residual, secundário.
     Portanto, no plano das idéias a universidade brasileira tem reforçado as estruturas de dominação social do capital em oposição aos interesses do povo brasileiro. Para apresentar uma alternativa eficaz contra a subordinação da universidade brasileira aos interesses parciais do mercado, apenas uma estratégia de transformação estrutural da sociedade brasileira é capaz de superar os limites impostos pela sociabilidade capitalista à universidade.
     Só a estratégia socialista é capaz de orientar a práxis cotidiana na universidade com o objetivo de estabelecer os vínculos desta instituição-chave da sociedade brasileira com o conjunto da população nacional, procurando no cotidiano as alternativas de democratizar a universidade, exercer a sua autonomia, desenvolver projetos e atividades que tenham como prioridade o desenvolvimento da nação.

A luta pela Universidade Popular e o Bloco de Forças sociais populares

     É importante o entendimento de que a luta pela universidade popular não pode ser feita de forma isolada. Sendo as instituições educacionais apenas uma parte formal do processo educacional em sua totalidade, as forças sociais que lutam pela transformação da universidade devem estar profundamente vinculadas e contribuir para a transformação da totalidade da sociedade.
     A heteronomia cultural[6] – ou “atraso” cultural – de que padece a sociedade brasileira não decorre da ausência de desenvolvimento do capitalismo brasileiro (que para alguns seguiria um processo linear até alcançar o patamar dos países desenvolvidos). Ela decorre do profundo entrelaçamento da cultura ao padrão autocrático de estado e à dependência no desenvolvimento capitalista, subordinando nosso país à lógica do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo mundial. Isso faz com que a autonomização cultural – para a qual as universidades enquanto instituições-chave jogam um papel importante – só possa ser alcançada mediante uma vinculação do desenvolvimento cultural à luta contra o capitalismo dependente (o qual entendemos como o único capitalismo possível no Brasil). No entanto, para lutar por uma universidade popular em seu entendimento de uma universidade que produza conhecimento para a superação das mazelas do capitalismo e consequente transição para um sistema social sem divisão de classes, é fundamental explicitar o bloco de poder dominante no Brasil, segundo sua forma dependente de desenvolvimento.
     O elemento que é hegemônico dentro deste bloco de poder é o imperialismo. Conforme a universidade ia ganhando espaço e importância dentro do cenário brasileiro, o direcionamento a partir de fora de sua estrutura e dinâmica institucional e organizacional foi ficando cada vez mais claro. Um marco significativo dessa crescente ingerência externa se deu com a reforma consentida de 68, seguindo as propostas do acordo MEC-USAID[7]. A universidade, então, amplia seu papel de formação de profissionais liberais e de quadros para a burocracia estatal para uma maior adequação do ensino superior ao processo reprodutivo do capital, principalmente no dinamismo tecnológico requerido. Este processo contou inclusive com a participação ativa de peritos estadunidenses na formulação das mudanças da universidade brasileira. Um segundo marco que podemos assinalar se dá a partir do “Consenso de Washington”, formulado por vários economistas das principais instituições financeiras do mundo, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que visa estabelecer normas para serem seguidas pelos países “em desenvolvimento”, em especial, na América Latina e no Caribe. Essas recomendações passaram a ser adaptadas ao conjunto das instituições educacionais, o que está expresso em vários documentos, especialmente pelo Banco Mundial, com destaque para o texto “La enseñanza superior – Las Lecciones derivadas de la experiência” (1995). Paralelo à publicação destes documentos, temos a inserção do tema da educação em diversas rodadas de negociações comerciais, com destaque para a Rodada do Uruguai (1986 – 1994), que resultou no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS), no qual esses direitos são vistos como serviços a serem comprados e vendidos. Mais tarde, houve ainda a “Declaração de Bolonha”, documento assinado por 29 países europeus, que se comprometeriam com a reforma do sistema educacional de seus países, visando “aumentar a competitividade no Sistema Europeu do Ensino Superior” (essa declaração foi importada pelo Brasil na forma do REUNI, que recomenda cursos rápidos e baratos). Temos então, todo o terreno preparado pelo imperialismo para desnacionalizar o que restava da educação nos países dependentes e subdesenvolvidos e transformá-la em um negócio rentável. Como conseqüência, iniciou-se uma nova ofensiva no sentido de implementar uma contra-reforma que adequasse o ensino superior brasileiro a estes parâmetros internacionais[8].
     Os outros dois pilares do bloco de poder dominante no Brasil, na sua particularidade de dependência, são os monopólios e o latifúndio, ambos profundamente entrelaçados com o imperialismo. A confluência dos interesses da burguesia nativa com o imperialismo é comprovada pela adesão à modernização conservadora paralela a um fechamento dos espaços democráticos para os “de baixo” e a instalação de um modelo tecnocrático na produção da ciência e tecnologia. Esta constatação é evidenciada com a transição para o capitalismo monopolista, consolidada após o golpe de 64, quando paralelo ao AI-5 – que entre outros objetivos visava frear a crescente luta pela reforma universitária[9] – instalou-se um amplo programa de incentivo ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia em consonância com a dependência, com a constituição de laboratórios e diversos centros tecnológicos em áreas estratégicas[10]. Esse período é marcado, por exemplo, pela consolidação da chamada “revolução verde”, voltada à produção de produtos primários na agricultura através de latifúndios para a exportação (as commodities), para qual foi destinado um amplo aparato de pesquisa nas universidades, que formou um campo de técnicos destinados a difundi-la. Além da agricultura, foram desenvolvidos projetos em áreas de energia, extração e beneficiamento de minérios, telecomunicações, etc. Todas áreas que após grande investimento público e desenvolvimento tecnológico, foram docilmente entregues aos monopólios estrangeiros. Esse processo é, atualmente, continuado e aprofundado, principalmente com a crescente regulamentação das fundações privadas nas universidades e com projetos da contra-reforma universitária (destaque para a “Lei de Inovação Tecnológica”).
     Esta constatação da tríade – latifúndios, monopólios e imperialismo – é fundamental para caracterização do campo em que se encontra a luta por uma Universidade Popular, pois esse bloco de poder, como vimos, foi determinante na consolidação da universidade como conhecemos hoje. Se compreendemos que as alternativas populares (quer dizer, as reformas democráticas – urbana, agrária, universitária, etc) se dissociaram da consolidação do poder burguês no Brasil – diferente de algumas revoluções burguesas clássicas – , traço que marca seu caráter dependente e autocrático, concluímos que a luta pela universidade popular se encontra no campo do Bloco Histórico anti-imperialista, anti-monopolista e anti-latifundiário, sendo uma luta que cabe às classes trabalhadoras e às massas populares. Este bloco deve desatar uma dinâmica social de luta que só pode se concluir abrindo caminho para o socialismo.
     Assim, a Universidade Popular, entendendo povo como o “conjunto das classes subalternas” (GRAMSCI), ou como os “de baixo” (FERNANDES), deve ser capaz de articular a apreensão crítica do conhecimento produzido e sistematizado pela humanidade a uma expressão criadora[11] da autonomia intelectual, didático-científica[12], que só é realizável tendo como fim a satisfação das necessidades humanas e não o lucro.

Experiências dessa transição, como exemplo de perspectivas de luta cotidiana

     Como dissemos anteriormente, a Universidade Popular é projeto estratégico e somente se consolidará em outra ordem societária, somente na alternativa histórica do socialismo. Até porque, mediada pelo valor de troca enquanto lógica estranha ao desenvolvimento humano efetivo, a produção de conhecimento novo para a satisfação das necessidades mais sentidas de nosso povo é praticamente impossível de ser a principal determinante. Ou seja, se pensamos em Universidade Popular, as táticas tornam-se um confronto explícito às determinações fetichizadas da lógica do capital e da mercantilização do conhecimento.
     Não são poucas as possibilidades de disputar a universidade e com isso contribuir com a revolução brasileira e a emancipação de nosso povo. Temos a luta pela ampliação possível – dentro do capitalismo – da prática democrática interna, requerendo os espaços democráticos mínimos já conquistados pela luta do movimento universitário e popular, assim como a produção crítica, criadora e popular de conhecimento novo e necessário por grupos de pesquisa e extensão independentes e combativos. Isso tudo é luta real, que já existe esparsamente, mas que organizados coletivamente em um amplo movimento podem ganhar contornos de alternativa real de embate. Além disso, ao buscar viabilizar tais projetos com movimentos sociais e populares organizados, não só praticamos a possibilidade dialética de dupla articulação nesse confronto – de “dentro pra fora” e de “fora para dentro”, em síntese, “rompendo os muros” - como possibilitamos que a denúncia da mercantilização e privatização crescente seja mais explícita e efetiva.
     Não são poucas as demandas que a realidade social impõe às classes trabalhadoras e demais subalternizados. Nossa condição dependente e associada ao imperialismo fez com diversas demandas nacional-democráticas (burguesas) nem ao menos fossem realizadas. A ausência de qualquer “Reforma Agrária” real é uma das responsáveis pela gritante concentração de terras no Brasil. Na questão urbana, vivemos uma total iniqüidade ao comparar-se o perímetro urbano mais valorizado (e de acesso restrito às elites), com as periferias brasileiras. Nesse sentido o sistema de transporte (totalmente privatizado e gerido pela lógica do lucro) é caótico, e não permite nem ao menos o acesso pleno da cidade aos “de baixo”. Com os “Grandes eventos” (Copa do Mundo e Olimpíadas) é radicalizada a apropriação dos espaços para a auto-reprodução ampliada do capital, em detrimento “da vida” daqueles que já pouco tinham e que progressivamente são expulsos de seus lares. No campo do atraso cultural somos uma sociedade com grande número de analfabetos plenos e funcionais, em contradição com as expansões de universidades e cursos técnicos. Educação no capitalismo é “internalização” dos valores necessários para a auto-reprodução ampliada do capital, e não para o desenvolvimento das capacidades genuinamente humanas.
     Em todos esses casos, a problemática é resultado da ordem sócio metabólica do capital. Todos se entrecruzam, e interagem reciprocamente. O campo e a cidade são momentos de uma totalidade mediada pelo capital, assim como as suas expressões e funções específicas das estruturas. Portanto, ao elaborar a crítica da realidade social em que qualquer pesquisador permita-se ir para “além da ordem” do lucro fácil, o mesmo estará provocando o sistema e confrontando os limites do “socialmente” aceito. O engenheiro que no campus da UFSC de Joinville estiver preocupado com o espaço real de sua cidade e o problema da mobilidade urbana vai ter que enfrentar a demanda requerida do capital: produção de carros de Fórmula 1[13]. O arquiteto e urbanista, ou o geógrafo que buscar mediar as demandas populares na intervenção dos “Grandes eventos”, possivelmente não encontrarão tanto espaço acadêmico e institucional para ficar ao lado daqueles que necessitam de seu espaço de moradia. O educador que ficar ao lado dos “de baixo”, não irá poder se calar e deixar de organizar a sua categoria para as reivindicações por melhores salários e condições para uma formação que desenvolva as capacidades humanas dos jovens. Esses exemplos apenas retratam previamente a realidade e as possibilidades no campo de contraponto a essa hegemonia reinante.
     Em alguns momentos da história do movimento estudantil e universitário surgiram pautas que se aproximaram da perspectiva de uma Universidade que se aliasse às classes sociais exploradas. No início da década de 60, o movimento estudantil organiza os “Seminários Nacionais pela Reforma Universitária”, sendo que em três edições as análises, elaborações estratégicas e tarefas táticas orientaram-se pela idéia da aliança operário-estudantil-camponesa[14]. Mesmo que a essência das análises pecassem pela perspectiva do desenvolvimentismo e da aliança com uma “ilusória” burguesia nacional democrática, era notório os avanços táticos de disputa da Universidade internamente, dos cursos e currículos, além de defender uma das mais necessárias condições para uma Universidade Popular: a democracia radical e a intelectualidade radical. O movimento estudantil (assim como diversos outros movimentos populares da época) se colocou na cena histórica e confrontou a orientação catedrática conservadora que imperava na Universidade (assim como na sociedade), puxando a “Greve do 1/3”, que parou mais da metade das Universidades brasileiras. A tática fundamental pela paridade nos colegiados decisórios serviu para colocar o problema da universidade conservadora e autoritária levando ao confronto real de sua essência autocrática, apesar de não conseguir uma vitória plena em um primeiro momento[15]. Nos dias de hoje percebemos que a participação minoritária de categorias nos colegiados decisórios (como os estudantes e técnicos), ausência dos movimentos populares organizados, e as escolha de dirigentes que não levam em conta a escolha por um projeto integral para todas as categorias pelo sufrágio universal (e que não sejam só consultas), inviabilizam qualquer perspectiva ao lado das classes subalternizadas. É necessário viabilizar uma campanha nacional pela democracia interna radical na universidade, dando voz e vez para as demandas que vão “para além do capital”.
     No embate necessário cotidiano são diversas - porém muitas vezes isoladas – as iniciativas de desenvolvimento de pesquisas, do ensino e da extensão com potencialidades pela luta estratégica da Universidade Popular. A ligação com movimentos sociais, com sindicatos e comunidades organizadas colocam educadores e pesquisadores em sintonia com a perspectiva da realidade concreta a ser transformada. Porém, provavelmente encontrarão limites estruturais, e se não avistarem a possibilidade da alternativa socialista do “planejamento consciente” e da “igualdade substantiva”[16], podem inclusive servir funcionalmente à ordem estabelecida nos rebatimentos da chamada questão social em um sentido meramente assistencialista. Assim, ir até o fundo, ter a perspectiva da superação dos limites sistêmicos, ainda mais nos dias de hoje em que a crise estrutural do capital aprofunda-se, é visualizar a alternativa socialista.
     No campo dos movimentos populares organizados e suas iniciativas de intervenção, temos diversos exemplos de alianças entre esses e os movimentos internos da Universidade. Em muitos casos a disputa dos currículos de cursos se faz com uma plataforma que aponta necessidades vitais para certa categoria social. Temos, enquanto exemplos muito presentes hoje, as Executivas e Federações de Estudantes de Área, que em cada especificidade apontam pautas de luta com a perspectiva dos “de baixo” e vinculado a projetos de classe e democráticos. Como exemplos, podemos apontar: a luta pela Abertura dos arquivos da ditadura impulsionada pela Federação da História (FEMEH); a luta pela Reforma Agrária, contra os transgênicos e o agronegócio da Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) e a Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF); contra a separação da licenciatura e bacharelado na formação profissional da Educação Física pela Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física (EXNEEF); a pauta da defesa do SUS e contra as privatizações dos Hospitais Universitários pelos estudantes de Medicina (DENEM); a formação vinculada à classe trabalhadora e não assistencialista da Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO); e as lutas pela conquista e manutenção das disciplinas de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio, reivindicada pela Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia (ABEF) e pela recém criada Articulação Nacional de Estudantes de Ciências Sociais (ANECS); só para citar alguns casos. A contribuição histórica dessas lutas no movimento de área já conseguiu incorporar em alguns currículos do curso de Agronomia os Estágios de Vivência nos movimentos populares do campo enquanto disciplina, e contribuiu ativamente na criação e defesa do código de ética dos profissionais Assistentes Sociais e sua ligação com a formação acadêmica. Outra iniciativa estudantil que ganhou corpo após muita disputa interna são os Escritórios Modelos de Arquitetura e Urbanismo (EMAUs), que foram iniciativas criadas no âmbito da Federação dos Estudantes de Arquitetura (FENEA), mas que encontraram grande recepção nas escolas pelo país, vinculando formação profissional com demandas das comunidades locais e movimentos populares.
     Entidades de trabalhadores da educação também teriam condições de participar ativamente desse processo incorporando pautas e potencialidades de articulação com os movimentos populares. Um dos exemplos mais nítidos dessa unidade são os cursos que foram criados em departamentos específicos com movimentos populares como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). A criação do curso de Direito na UFG em 2007, e de Serviço Social no na UFRJ em 2011 para assentados da “Reforma Agrária”, contribuem com essa unidade popular. Vinculado ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), esse projeto incorpora-se em toda uma unidade entre a Universidade e as escolas rurais dos movimentos sociais, que capacitam o trabalho no campo e permitem a formação educacional de jovens e adultos, orientados por princípios dos movimentos sociais do campo. O MST também foi além, ao criar a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em 2000, passando a confrontar decididamente a perspectiva da formação elitista e orientada pelas demandas do lucro. Hoje este espaço de formação militante é referência para os movimentos sociais do Brasil e do mundo, aliando setores e universidades em seus convênios que fortalecem a luta nacional pela Universidade Popular.        
   
A vinculação entre projeto de sociedade e projeto de universidade na atualidade: Cuba e Venezuela.

     O projeto de Universidade em curso no Brasil segue os preceitos do Imperialismo, dos monopólios e dos latifúndios. A associação entre a burguesia nacional e internacional dos países centrais impele políticas locais não mediadas pelas demandas populares, como nos já citados acordos MEC-USAID e a recente Contra-Reforma Universitária. Não temos autonomia para a política de formação científica e tecnológica no Brasil, ficando reféns das necessidades da auto-reprodução ampliada do capital internacional.
     Os povos que ousaram e ousam superar a sua dependência externa e o subdesenvolvimento interno, constituem, em seu processo histórico de lutas, alternativas societárias, novas estruturas sociais, econômicas e culturais. Dentre essas estruturas a universidade e a educação em geral são direcionadas por outra referência que não os ditames “estranhos” ao seu povo.
     Enquanto referência nesse sentido, apontamos a experiência da transição socialista Cubana e da alternativa bolivariana da Venezuelana. Ambas buscaram e buscam superar seus limites sistêmicos que formaram o sistema educacional, sendo que no caso Cubano é explícito o seu panorama científico que é referência em muitas áreas.
     Sendo um processo revolucionário de mais de 50 anos, Cuba já consolidou diversas potencialidades tecnológicas e científicas orientadas por perspectivas de emancipação humana. A Universidade Cubana revolucionou o seu sistema educacional, desenvolvendo capacidades intelectivas e culturais raramente vistas em sociedades de capitalismo avançado. A busca pela formação integral das capacidades humanas permite que tal povo obtenha um conhecimento prático e teórico capaz de viabilizar o seu projeto histórico, mesmo em condições materiais muito desfavoráveis. Não é a toa que são referência na Pedagogia, na Economia, na formação da Educação Física e principalmente na área da saúde. Nesse último não só a medicina preventiva, gratuita e universal é modelo para todo mundo, mas a sua solidariedade internacionalista também é exemplo na “exportação” de formação e médicos para todo o mundo[17].
     Outra questão importante sobre a Universidade Cubana é a sua compreensão da “relação universidade e sociedade”. Lá não existe a distinta função da “extensão universitária” enquanto parte do processo de produção e reprodução de conhecimento, pois a universidade é vinculada na pesquisa e transmissão de conhecimentos enquanto um processo uno de formação coletiva do planejamento consciente e da igualdade substantiva de seu povo.
     Outra experiência digna de ser reivindicada é a Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV). Não há projeto pronto que possa ser transplantado mecanicamente para outra localidade, e a situação na Venezuela mostra que o atraso cultural e tecnológico, conseqüência da condição dependente do capitalismo monopolista daquela nação, é condição para a compreensão do enfrentamento atual. A dinâmica da luta de classes nesse país impõe que esse novo cotidianamente colida-se com o velho, transformando o movimento universitário em um constante embate entre a UBV e a velha Universidade Central da Venezuela (UCV), pólo da direita conservadora.
     No sentido da transição requerida, essa Universidade esta construindo programas e cursos que são necessários para o auto-planejamento desde o povo e orientado pela perspectiva da emancipação e soberania perante o mercado. Entre os cursos, apanhamos o exemplo do objetivo do curso de Agroecologia indicado no site:
“El Programa de Formación de Grado en Agroecología coordina esfuerzos de formación integral para dar respuestas a los retos actuales de transformación socialista desde el ámbito de la sustentabilidad del ambiente, de los agroecosistemas y de la producción agropecuaria y acuícola, a fin de coadyuvar a alcanzar la soberanía y seguridad agroalimentaria del País.”[18]
     Esse dois exemplos podem nos orientar estrategicamente no caminho da construção da Universidade Popular, demonstrando que sem o necessário projeto de transformação estrutural da sociedade é falácia falar em Universidade Popular. Requerer um novo modelo é partir para a luta pela alternativa socialista fazendo as mediações necessárias dentro das contradições existentes.

O 1° SENUP e o futuro

     A construção deste 1° SENUP não possui objetivo e fundamentação puramente teórica ou acadêmica. Trata-se de um processo de formulação coletiva que possui como cerne a intervenção política sobre a realidade concreta, a transformação de uma universidade que hora serve ao capital em uma universidade a serviço do povo brasileiro, que expresse política e cientificamente seus anseios. Ao longo das três reuniões que precederam o seminário (Florianópolis, Porto Alegre e São Paulo), encontramos um ambiente raro de fraternidade e construção coletiva entre diferentes coletivos, entidades, organizações políticas, indivíduos, que refletem uma maturidade e compreensão da importância da pauta em questão. Além do acordo mínimo entre os eixos norteadores da “Cartilha Preparatória”, passou a ficar claro para os diversos setores organizadores do SENUP que estava já se construindo o embrião de um movimento nacional. Isso ficou comprovado com a intervenção posterior à reunião de São Paulo em diversos encontros e congressos estudantis de nível nacional e uma grande aceitação e interesse pelo tema. A possibilidade deste movimento, portanto, está comprovada pela prática de construção do próprio Seminário que, conforme avançava, surpreendia seus próprios organizadores. A necessidade dele advém da ofensiva destrutiva do projeto do capital sobre a universidade, e da atual situação do movimento universitário, que na maioria dos casos se encontra ainda inerte – tanto que não foi capaz de barrar a maioria das medidas que vieram a partir de cima para a universidade. Para nós, isso é reflexo da ausência de debate estratégico permanente, de projeto alternativo à ordem do capital, que potencialize a luta dos estudantes, dos técnico-administrativos e do corpo docente, de cada curso e universidade pelas suas questões mais sentidas (essas lutas específicas existirão independentemente de haver projeto nacional ou não, no entanto, ficarão sem rumo, e dificilmente acumularão para um movimento futuro mais forte e combativo). O principal desafio a partir deste SENUP, então, é fazer as mediações necessárias entre as bases do projeto estratégico de Universidade Crítica, Criadora e Popular e as lutas do dia a dia, transformando a bandeira da Universidade Popular em força social organizada, ou seja, um campo de luta que dispute a Universidade Brasileira de fato.
     Sabemos que isso não ocorre da noite para o dia, tampouco poderá surgir simplesmente da boa vontade das organizações que atualmente constroem o SENUP. A construção de um movimento nacional deverá estar no horizonte, trilhando um caminho adequado que desde já contribua para este objetivo. Dando conseqüência ao que se propôs na preparação, da “necessidade de articular dialeticamente as discussões e lutas imediatas à construção de um programa estratégico para a universidade brasileira”, e ainda que “a construção da estratégia da Universidade Popular está articulada com a construção do movimento que luta por ela a partir de um programa mínimo tático coerente” [grifos nossos] (Cartilha Preparatória, p.6), pensamos que as mediações necessárias deverão ser expressas em uma carta de unidade. Desta forma, teremos elementos suficientes para manter e aprofundar a articulação nacional do campo da Universidade Popular. Assim, para que este trabalho não se perca, propomos que o 1° SENUP constitua um grupo de trabalho nacional de universidade popular, composto por todas as organizações, entidades e indivíduos convocantes do SENUP 2011, que funcione através do consenso e debate franco e aberto de idéias, como tem sido a própria construção do seminário. Sabemos que não é ainda possível prever um tempo para constituição de um movimento nacional de fato, que demandaria uma estrutura adequada, instâncias, coordenações, funcionamento, nome, etc. Este depende de uma série de condições. Apontamos aqui algumas delas:
1) eficácia nos desdobramentos táticos do 1° SENUP na base, ou seja, que as lutas reais propostas pelo SENUP fortaleçam onde já existem grupos atuantes e constituam novos grupos de Universidade Popular de base.
2) Acordo mínimo entre as organizações, entidades, indivíduos que constroem o SENUP da necessidade deste movimento e o primeiro passo de um grupo de trabalho nacional.
3) Um novo espaço, o 2° SENUP, ainda mais amplo que este seminário (conseguindo maior envolvimento dos três setores da universidade e dos movimentos populares), que discuta as bases para a constituição de um movimento nacional, forma de funcionamento, princípios, estrutura, etc. Se a intenção for a de constituir este movimento, sem dúvida não surgirá espontaneamente, deverá ser pensado e planejado.
     Desde já pontuamos, que um movimento nacional por uma universidade popular não deve ser confundido com uma nova entidade, nem deve substituir nenhuma das entidades representativas das três categorias da universidade (ANDES-SN, FASUBRA, UNE, etc). Ele deve ser composto pelas três categorias universitárias, bem como por movimentos populares e sindicais que não estejam diretamente vinculados à universidade, mas que entendem seu papel enquanto instituição-chave. Este movimento deverá sim, fortalecer as entidades estudantis e sindicais, munindo a luta na universidade de um horizonte estratégico, transformando as lutas e vitórias parciais em elementos de abertura de espaço na ordem vigente, com desdobramentos contra ela. Ou seja, um movimento com essas características teria uma capacidade de articulação que extrapolaria os muros da universidade, transformando a luta por uma Universidade Popular em um elemento de composição de um Bloco Histórico de Forças sociais proletárias e populares na luta contra o capitalismo dependente. Ao mesmo tempo, por ser um movimento permanente, se transformaria em um elemento de acúmulo de forças sociais organizativas em constante aperfeiçoamento. Um movimento democrático, autônomo e amplo no sentido da composição de categorias; construído de dentro da universidade para fora e de fora para dentro, bem como solidário as demais lutas dos trabalhadores.
     Para se ter êxito neste projeto, é fundamental construir antes e após o SENUP movimentos de base que lutem pela Universidade Popular. Um grupo local de luta por uma universidade popular pode surgir das mais diversas formas: um grupo de estudo, um projeto de extensão e pesquisa, a partir da reunião entre as organizações e entidades que constroem e apóiam o SENUP, construindo campanhas e lutas que estejam latentes, etc. O mais importante é vislumbrar sempre a articulação nacional da construção do projeto estratégico, buscando fazer lutas coordenadas, unificadas de acordo com a realidade de cada universidade, transformando o movimento local em uma força social e política organizada, capaz de intervir nos rumos da produção de conhecimento em sua universidade (formando mais e novos grupos nas mais diversas áreas do conhecimento), além de contribuir para a organização dos estudantes, técnicos e professores em suas lutas e entidades de base.
     É fundamental, assim, que este seminário aponte táticas coerentes que viabilizem a inserção do campo da Universidade Popular no movimento de massas real. Tais táticas devem estar balizadas por um acordo mínimo no papel que a universidade cumpre hoje dentro do sistema do capital, bem como uma análise conjuntural unitária sobre a universidade brasileira. Pensando neste processo de acúmulo de forças para a estratégia de Universidade Popular, defendemos:
- Lutar para barrar e reverter a contra-reforma universitária do capital;
- Lutar pela democracia interna (voto universal nas eleições e paridade nos órgãos colegiados das IES);
- Lutar pela autonomia das Instituições (artigo 207 da Constituição);
- Lutar pela contratação por concursos públicos para professores e funcionários, melhores salários, e contra a terceirização do trabalho;
- Pelo total financiamento público manutenção e ampliação dos projetos de pesquisa e extensão vinculados às necessidades populares, articulando os diversos laboratórios, professores, técnicos e estudantes, na construção do projeto de Universidade Popular. Uma orientação para iniciar este trabalho é mapear os projetos em cada universidade para posterior articulação através de seminários, etc., bem como pensar as possibilidades de criação de projetos em cada área do conhecimento;
- Lutar pela manutenção e ampliação dos direitos estudantis;
- Nas universidades pagas e/ou privadas, lutar pela qualidade de ensino, pelo congelamento/rebaixamento de mensalidades a curto prazo e gratuidade a médio prazo, pela liberdade de organização sindical e estudantil e democracia interna. Em médio e longo prazo, lutar pela reestatização/estatização destas universidades.
- Organizar Estágios de Vivência junto a movimentos sociais;
- Lutar por currículos e projetos político-pedagógicos críticos e criadores, capazes de vincular a apreensão crítica do conhecimento produzido, sistematizado e acumulado pela humanidade, com a prática investigativa criadora vinculada à produção de conhecimento para a satisfação das necessidades populares e a transformação social;
- Orientar nossas plataformas políticas dos processos eleitorais de Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes e também a luta cotidiana, com a estratégia e as táticas da Universidade Popular.
Estas são apenas algumas propostas mínimas, que deverão ser discutidas, revisadas e ampliadas. A CCLCP, o MAS e a JCA estão muito satisfeitos por estar participando deste processo em torno de uma bandeira que viemos levantando há anos. Estamos aprendendo muito com todos os valorosos companheiros e companheiras neste processo político. Certos de que logo a Universidade Popular será uma bandeira levantada por todo o povo brasileiro, desejamos e trabalharemos para que este seminário seja muito exitoso.

Viva o 1° Seminário Nacional de Universidade Popular!

Corrente Comunista Luiz Carlos Prestes
Movimento Avançando Sindical
Juventude Comunista Avançando

Agosto de 2011.


[1] É essencial destacar que esta determinação da base econômica não é absoluta, ao contrário, o desenvolvimento científico e tecnológico proveniente da academia reflete sobre o desenvolvimento econômico das nações. Esta é uma das razões porque a Universidade deve ser tratada como uma questão de soberania nacional.
[2] Para Mészáros (2002), o sistema do capital possui seus próprios limites absolutos ou intrínsecos para além dos quais não pode avançar sem pôr em risco suas próprias “bases reprodutivas materiais”. Os limites absolutos do capital seriam ativados quando as contradições inerentes à sua própria natureza dual - decorrente da contradição entre produção e controle - tornassem inviável a continuidade do processo de acumulação e expansão do sistema em seu conjunto. Assim, as barreiras para a auto-expansão do capital seriam erguidas por ele próprio e não por qualquer circunstância exógena a seu modo de funcionamento. Na atualidade, segundo Mészáros, o sistema do capital estaria manipulando a ativação dos seus limites absolutos através da “disjunção radical” entre a satisfação das necessidades humanas e os seus imperativos de auto-reprodução. Para continuar se reproduzindo o capital estaria tratando “o relativo historicamente produzido e limitado (ou seja, a ordem estrutural do capital) como absoluto intranscendível, e as condições absolutas da reprodução sociometabólica e a sobrevivência do ser humano como relativo prontamente manipulável” (p. 179). Nessas condições, a tendência seria a substituição das grandes tempestades características das crises cíclicas anteriores por um continuum depressivo, por uma “crise endêmica, permanente e crônica” convertida na normalidade do sistema, no seu procedimento corrente (Soares, 2008).
[3] A Universidade de São Paulo é fundada em 1934.
[4] O fato de após a ditadura militar ocorrerem eleições periódicas (regime eleitoral) não elimina o caráter restrito da democracia. A estrutura sindical e política das velhas oligarquias tem sido reforçada nas últimas décadas de tal maneira que o protagonismo popular tem sido classificado como ilegal (greves, a manifestações de rua, ocupações de terras, etc.).
[5] Não é por acaso que o Banco Mundial tem utilizado a nomenclatura de Educação Terciária para designar o ensino superior. Em uma clara orientação voltada apenas para o adestramento profissional.
[6] Heterenomia cultural entendida como consequência da vinculação da produção de conhecimento que tem como referência o padrão de desenvolvimento dos países imperialistas, o que leva a importação de modelos pré-estabelecidos, mas que não significa ausência de produção de conhecimento. Isso é bem diferente da instrumentalização necessária de categorias de pensamento desenvolvidas em outros países e que podem ser desenvolvidas de forma racional e criativa tendo em vista uma análise da realidade concreta em que estamos inseridos, que é distinta dos países centrais.
[7] Ministério da Educação (MEC) e United States Agency for International Development (USAID).
[8] Citamos aqui os que consideramos como mais importantes, dentre o “pacote” da contra-reforma: decreto das Fundações (1994), o SINAES – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (2004), a Lei de Inovação Tecnológica (2004), o PROUNI (2005), a Universidade Aberta do Brasil (2006), o REUNI (2007), “novo” ENEM (2009). Mais recentemente, ocorreu a aprovação de mais um conjunto de projetos: no final do Governo Lula, o “Pacote da Autonomia” (19 de julho de 2010, composto pelos decretos n° 7.232, 7.233, 7.234, e pela medida provisória n °495, que já virou lei), a MP 520 e o Decreto 7423 (ambos de 31 de Dezembro de 2010), além do Governo Dilma Roussef que inicia com a aprovação do MP 525 (que também já virou lei), somado a um corte de 3,1 bilhões no orçamento da educação e 1,7 bilhões no orçamento destinado à Ciência e Tecnologia. Não teremos condições de nesta contribuição analisar cada um dos projetos. Aconselhamos que sejam buscados os diversos artigos produzidos pela Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – ANDES a respeito do assunto.
[9]Reforma universitária é indissociável da destruição da monopolização do poder pelos estratos conservadores das classes altas e médias. Por isso, quando falam ou lutam [refere-se aos jovens e professores, educadores e intelectuais] pela reforma universitária não querem apenas ‘reorganizar’ formalmente o ensino superior. Visam construir uma universidade totalmente nova – educacionalmente criadora, intelectualmente crítica e socialmente atuante, aberta ao povo e capaz de exprimir politicamente os seus anseios mais profundos” (FERNANDES, 1975, p. 60) Essa é a razão pela qual a dita “reforma” implementada pelos últimos governos não pode ser classificada como tal, mas sim como uma “contra-reforma” – ela engloba projetos que enfatizam interesses particularistas, mantendo o status quo, aprofundam a privatização e a precarização do trabalho; não visa solucionar a “crise da universidade”, mas apenas dar-lhe sobrevida, o que prepara explosões ainda mais profundas e inconciliáveis no futuro.
[10] “em meados dos anos 1970 as grandes orientações da política de C&T passaram a ser consolidadas no Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), contando com participação – não pública – de setores pinçados da comunidade científica; entretanto, este plano compunha uma parte de um projeto mais abrangente, de autoria do núcleo empresarial-militar: o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Desse modo, o principal órgão de fomento, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ficou subordinado à Secretaria de Planejamento (SEPLAN). Cabia a essa secretaria definir os orçamentos e, ao CNPq, a função de assessoramento e não mais de deliberação das políticas do setor (NICOLETTI, 1988).
Os conselhos do CNPq perderam completamente a autonomia.” (LEHER, 2005).
[11] “A escola criadora é o coroamento da escola ativa: na primeira fase, tende-se a disciplinar, portanto, também a nivelar, a obter uma certa espécie de “conformismo” que pode ser chamado de “dinâmico”; na fase criadora, sobre a base já atingida de “coletivização” do tipo social, tende-se a expandir a personalidade, tornada autônoma e responsável, mas com uma consciência moral e social sólida e homogênea. Assim, escola criadora não significa escola de “inventores e descobridores”; ela indica uma fase e um método de investigação e de conhecimento, e não um “programa” predeterminado que obrigue à inovação e à originalidade a todo custo. Indica que a aprendizagem ocorre notadamente graças a um esforço espontâneo e autônomo do discente, e no qual o professor exerce apenas uma função de guia amigável, como ocorre ou deveria ocorrer na universidade. Descobrir por si mesmo uma verdade, sem sugestões e ajudas exteriores, é criação (mesmo que a verdade seja velha) e demonstra a posse do método; indica que, de qualquer modo, entrou-se na fase da maturidade intelectual na qual se pode descobrir verdades novas.” (GRAMSCI, 1978, p. 124 e 125)
[12] “É preciso rejeitar peremptoriamente uma ‘educação popular a cargo do Estado’. Uma coisa é determinar, mediante uma lei geral, os recursos das escolas primárias, a qualificação do pessoal docente, os currículos, etc., e fiscalizar, por intermédio de inspetores públicos, a execução dessas prescrições legais (...). Outra coisa completamente diferente é fazer do Estado o educador do povo! É preciso antes banir toda influência sobre a escola, tanto por parte do governo quanto da Igreja.” (MARX, 2006, p. 127)
[13] “Vinte alunos do curso de Engenharia da Mobilidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Joinville, estão se preparando para um desafio: construir em dez meses um carro de Fórmula 1 para disputar a maior competição de estudantes de engenharia do mundo, o Fórmula SAE-Petrobras. O projeto do carro está pronto. Agora, eles buscam parcerias com empresas do ramo automobilístico para tirar o possante do papel.” Ver em http://noticias.ufsc.br/2011/03/31/na-midia-alunos-de-joinville-projetam-carro-de-formula-1/ (31/03/2011).
[14] Ver em “O poder Jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros”, de Artur Poerner, 1979.                                                                  
[15] Universidade do Paraná adotou a proporcionalidade de um terço de representação estudantil na composição de seus órgãos colegiados, representando sucesso parcial dessa greve. Em “O poder Jovem”, pág. 197.
[16] MÉSZÁROS, I. “A importância do planejamento e da igualdade substantiva”, IN. A Crise Estrutural do Capital. São Paulo: Boitempo, 2009. O autor aponta que “o planejamento ocupa um lugar de extrema relevância entre as categorias da teoria socialista. Isso se põe em agudo contraste com o sistema do capital, no qual não há escopo real para o planejamento no sentido pleno do termo” (p.114).

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