terça-feira, 6 de março de 2012

FIDEL LANÇA DOIS VOLUMES DE "GUERRILLERO DEL TIEMPO"


"Nosso dever é lutar até o último minuto"

ARLEEN RODRÍGUEZ DERIVET e ROSA MIRIAM ELIZALDE

"BOA TARDE", cumprimentou alegremente Fidel Castro o auditório, e com essas palavras mágicas teve início, num dos salões do Palácio das Convenções, de Havana, o lançamento do livro de memórias do líder da Revolução cubana, Fidel Castro Ruz: Guerrillero del tiempo (Guerrilheiro do tempo), dois volumes das conversas mantidas com a escritora e jornalista Katiuska Blanco.
No mesmo tom risonho, Fidel alertou: "Vão falar-lhe de dois livros que vocês nem tiveram notícia". São, efetivamente, dois volumes que começam com as primeiras recordações da infância do líder e acabam em dezembro de 1958, prévio ao triunfo da Revolução. Somam quase mil páginas nas quais "eu tive algum envolvimento", graceja o comandante, e esse tom distendido animou todo o encontro, que se prolongou quase seis horas e ao menos uma com o comandante em pé, saudando pessoalmente um bom número de participantes, entre eles antigos companheiros de luta do quartel Moncada e do iate Granma, e os familiares dos Cinco cubanos presos nos Estados Unidos.

Fidel envergava um leve casaco esportivo negro sobre uma camisa xadrez, predominantemente de cor azul. A expressão de seu rosto reflete as emoções que lhe inspiram as palavras e anedotas que vão reconstruindo os apresentadores de cada volume desta edição, o ministro da Cultura, Abel Prieto e o presidente da União dos Escritores e Artistas de Cuba Miguel Barnet. As vezes, erguia as sobrancelhas e brilhavam seus olhos, quando Abel, por exemplo, lembrava passagens da infância em Birán, ou ria sem mais preâmbulo, por exemplo, quando Miguel Barnet evocava as palavras de Che Guevara sobre o desembarque do iate Granma: "Foi um naufrágio".
Realmente, a razão pela qual ele estava ali e que repetiu de diversas formas, durante o encontro, responde a uma única pergunta: "Em que mais posso ajudar?". E se houvesse que escolher uma única frase que expresse uma ideia de aonde nos levará este livro — uma jóia da edição e a impressão da casa editora Abril e a tipografia Federico Engels, com fotografias e designs de Ernesto Rancaño, autor da capa — talvez possa servir esta que, no decurso das conversações, ele disse a Katiuska: "Prefiro o velho relógio, os velhos óculos, as velhas botas, e em política, tudo o novo".
Enquanto Katiuska apresenta brevemente as edições e intervêm os apresentadores, em alguns momentos Fidel se mostra tão empolgado como nós, como se de repente, após aquela viagem apertada pelas páginas dos dois livros, enxergasse no seu conjunto, "como em um filme em terceira dimensão" — diria Barnet —, sua própria vida. "É que ressalta todo o valor do que se fez, porém o que mais me interessa é ser útil."
Fidel comenta que lê centenas de despachos de agências todos os dias. Literalmente consome toda a informação que lhe chega. Acompanha com particular detalhe a situação na Venezuela, que em 4 de fevereiro comemorou o 20º aniversário da revolta militar comandada por Hugo Chávez: "Nunca ninguém fez mais pelo povo venezuelano, que o Movimento Bolivariano", comenta.

O encontro se estendeu
quase seis horas e Fidel dialogou
com vários participantes

De muitas coisas falou Fidel com entusiasta disposição ao diálogo, a partir dos comentários e perguntas do auditório: das admiráveis lutas que hoje estão travando os estudantes latino-americanos e do mundo por seus direitos; de sua profunda oposição ao ensino pago; de seu firme credo de que os conhecimentos adquiridos e desenvolvidos pelo nosso país podem multiplicar as produções, os bens e o nível de vida da sociedade, inclusive na agricultura; de que todos estávamos errados ao crer que no socialismo os problemas econômicos estavam resolvidos; dos prêmios Nobel que raramente premiam os que acreditam em um sistema social mais justo; das surpreendentes novidades da ciência e a tecnologia; do arriscado gás extraído do xisto e as fabulosas perspectivas da nanotecnologia; das visitas de líderes mundiais e a impressão que lhe provocaram; das ilhas Malvinas, "esse pedaço de terra arrebatado à Argentina", onde agora os britânicos pretendem extrair petróleo e, naturalmente, das terríveis ameaças que pairam sobre a Síria e o Irã, enquanto os Estados Unidos e Europa pretendem convencer a Rússia com a ridícula ideia de que o escudo anti-mísseis é para proteger esse país das ameaças do Irã e da Coreia do Norte.
Para ele, se torna imprescindível estar a par dos acontecimentos, e reconhecer que "já não há espaço só para os interesses nacionais, se não estão incluídos nos interesses mundiais... Nosso dever é lutarmos até o último minuto, por nosso país, por nosso planeta e pela humanidade".

FALANDO DOS CINCO E COM OS CINCO

Em duas ocasiões, Fidel falou de Juan Cristóbal, de Romain Rolland, como uma de suas leituras favoritas. A primeira foi ao descobrir na fila atrás de seus companheiros do ataque ao quartel Moncada, as mães dos Cinco. Aquela novela foi uma de suas leituras na prisão. Foi uma das que sobreviveu à censura do chefe do cárcere, um "indivíduo odioso, imbécil, ladrão... "a tal ponto que lhe proibiu livros como Stalin, de Trotsky e em troca deixou passar O Capital, de Karl Marx.
"Aqui estamos vendo os familiares dos Cinco. É admirável o que conseguiram resistir esses homens", exclamou com admiração. E embora dissesse que não havia comparação entre os quase dois anos em que ele esteve preso com os 13 anos que levam confinados Gerardo, Ramón, Fernando, Antonio e inclusive René — ao que não lhe permitem voltar a Cuba — percebeu-se que Fidel está particularmente interessado na situação atual deles.
"Agora mesmo estava lendo o que escreveu Antonio, acerca da transferência de prisão. "Como é que ele está?", perguntou com marcante interesse, pois ele, também como preso político sofreu atropelos e até ameaças de morte.
Mirta, a mãe de Tony, lhe explicou que era uma mudança à que tinha direito e que ele havia pedido, após ter-lhe sido reduzida a condenação. Ele esteve 13 anos na prisão de máxima segurança de Florence, Colorado — tão difícil que é chamada de "Alcatraz das Rochosas"—, o que obrigava os familiares a pegarem três aviões, para poder visitá-lo. Agora está em Marianna, Flórida, a mesma onde esteve René até sua saída, em 7 de outubro passado.
"Foi muito favorável, devido à mudança do clima e porque agora só tenho que pegar um avião e depois viajar por auto-estrada", explicou a mãe do poeta prisioneiro, uma mulher admirável que neste ano completa 80 de idade e já estava se ressentindo das viagens esgotantes para visitar o filho. Quanto a ele, comentou que tem muito bom ânimo e que pediu transmitir a todos o agradecimento pelo apoio à luta pela causa dos Cinco, que entrou em uma fase crucial e decisiva.
"Tal como seus companheiros, se mantém com a mesma fidelidade, resistência, bom ânimo e o desejo de que, finalmente, chegue a vitória", disse Mirta.

A VISÃO ÍNTIMA DA HISTÓRIA

A escritora Graziella Pogolotti, presidenta da Fundação Alejo Carpentier, iniciou a rodada de perguntas. Um dos problemas da aproximação à História —assim em maiúsculos — é que se acompanha a sequência dos grandes acontecimentos, mas quase nunca os meandros, aqueles detalhes íntimos, a memória, essas coisas que não só tocam a mente, mas sim o coração. Propôs ao líder da Revolução que continuasse escrevendo, que continuasse esta saga testemunhal e que contasse mais de sua experiência como lutador e o intercâmbio com grandes personalidades do mundo.
"Tenho que aproveitar agora, porque a memória se gasta". Mais uma vez, veio à tona o magnífico humor dessa tarde, e prometeu: "Estou disposto a fazer tudo o possível por transmitir o que recordo bem... Estive expressando todas as ideias que tinha e os sentimentos pelos que atravessei". Mais em diante acrescentou: "Adquiro consciência da importância de relatar tudo isso para transmiti-lo, de modo que seja útil".
Chamou a atenção sobre a enorme revolução que se produziu no pensamento, em uma época marcada, aliás, por avanços científicos inusitados. "Internet é um instrumento revolucionário que permite receber e transmitir ideias, nos dois sentidos, algo que devemos saber usar". E comentou acerca do enorme potencial que o país tem para participar nestes desenvolvimentos. Por exemplo, só a Universidade das Ciências Informáticas, entre estudantes e docentes, possui 14 mil pessoas em suas salas de aula. "Estamos aproveitando esses valores e recursos para transmitir ideias?", perguntou.
Em um diálogo com a presidente da Federação dos Estudantes do Ensino Médio, Mirthia Brossard, Fidel disse que "devemos apoiar as ideias da jovem chilena — Camila Vallejo — no sentido de lutar para que a educação seja igual para todos. Que não seja só uma educação geral e gratuita, mas sim preocupar-nos por aquilo que se ensina". E acrescentou: "A educação é a luta contra o instinto. Todos os instintos conduzem ao egoísmo, mas só a consciência nos pode levar à justiça. Esta não é só uma fórmula prática, mas é, teoricamente, a única aceitável".
O pintor Alexis Leyva Machado (Kcho) comentou-lhe, já quase no fechamento do intercâmbio, que este livro expressa a forma em que Fidel se converteu em um líder de categoria mundial, não pela força, mas sim por sua inteligência. Quando o artista pediu a Fidel que expressasse uma recomendação para lutar, em meio deste mundo louco que nos coube, o comandante respondeu: "Você mesmo disse, faz falta, mais do que um ato de valentia, um ato de inteligência".
O líder da Revolução lamentou que se esgotasse o tempo, mas o encontro encerrou, tal e como começou, com risos: "¡Que pena, isto vai acabar! Senti-me muito feliz, mas eu sou um colaborador dos médicos (os que o atendem). E saibam que o faço, não como um ato de valentia, mas sim de inteligência".

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CONVERSAÇÕES À MARGEM

O valor de Sara

DIANA Balboa, companheira de Sara González, cujas cinzas foram esparcidas, na manhã do sábado, 4 de fevereiro, nas águas da baía de Havana, subiu ao estrado, a pedido de Fidel, quem a abraçou e elogiou sua consagração ao cuidado da famosa trovadora cubana, durante os intensos meses que durou sua batalha contra o câncer.
"Sei que você foi muito valente", disse Fidel, ao que ela respondeu: "Valente foi ela, comandante. Ela foi muito valente e enquanto teve lucidez, se manteve preocupada por seu trabalho, por sua condição de cubana e patriota e partiu tranquila, não teve um fim trágico."
Trocando olhares, Diana quis transmitir ao líder da Revolução que Sara ficou muito feliz quando soube, por parte do dr. Cepero, diretor do Centro de Pesquisas Médico-Cirúrgicas (Cimeq) e o professor Elliot, médico de cabeceira, a permanente preocupação pessoal de Fidel por ela. "Eu só queria saber que não lhe faltasse nada", foi a resposta de Fidel.
O resto, como todo o essencial, não era visível. Segundo Diana, "a conversa se centrou mais na ternura do que nas palavras. Eu senti essa ternura e uma emoção muito profunda em seu olhar. Todo mundo sabe o quanto se queriam mutuamente Fidel e Sara".

COM ANTÔNIO OU COM RENÉ?

JÁ Fidel e os convidados estavam saindo, quando se recebeu uma ligação de René ao celular de sua esposa Olga, e esta entregou o telefone ao líder da Revolução. Inicialmente, Fidel achou que era Antônio e depois de enviar-lhe um fortíssimo abraço, lhe perguntou por suas leituras e "como vai a poesia". Com certeza, seu interlocutor lhe explicou que não era o poeta porque Fidel disse logo: "Ah, caramba, foi uma confusão! Pensamos muito em vocês e particularmente em você, vai receber dois livros que vai ler em meio dia", lhe comentou, entre outras coisas. Junto a Fidel, todos tentavam escutar a voz do outro lado, mas só conseguimos escutar as últimas palavras de René: "Se cuida, comandante, e nos vemos lá".
"Um fortíssimo abraço", reiterou ele. Depois, indagaria com Olga se alguém o acompanha nesta obrigada retenção no território estadunidense. Ela comentou que o visitam os familiares que recebem visto, mas que em sua "liberdade vigiada", ele tem muitas restrições, a pior de todas, a negativa a conceder-lhe o visto a ela para que possa acompanhá-lo.
"Não lhe deram visto nem uma única vez?", quis saber Fidel. "Visto não, comandante. Sempre o negaram, desde que me deportaram no ano 2000. Adriana tampouco recebeu visto para visitar Gerardo, desde que está preso".
Ao despedi-las, Fidel insistiu em sua convicção de que na luta pelo retorno dos Cinco "vamos ter sucesso".


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