quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Europa-2009: mentiras e segredos de guerra

Nubia Piqueras Grosso (*)

Duas Duas guerras de ocupação: Iraque e Afeganistão centraram as miradas do mundo para a

Europa no final de 2009. A primeira pelas mentiras do ex premiê britânico Tony Blair; e a segunda,

por secretos sócios a um bombardeio em Kunduz. Duas

Um relatório publicado pelo jornal The Sunday Thelegraph, do qual se fizeram eco todos os meios

britânicos, revela que Blair enganou ao Parlamento e à opinião pública de Grã-Bretanha sobre a

participação do exército desse país na invasão ao Iraque, em março de 2003, junto a Estados

Unidos.

Blair afirmou no Parlamento em 16 de julho de 2002 que o objetivo contra Saddam Hussein era "o

desarmamento, não uma mudança de regime" e que não existiam planos para uma ação militar.

No entanto, os documentos demonstram que nesses projetos bélicos se trabalhou desde fevereiro do

2002 e inclusive muito antes de que o presidente estadunidense George W Bush chegasse ao poder,

declarou o general Graeme Lamb, responsável pelas forças especiais durante o conflito.

A análise militar de umas 100 páginas, filtrada pela imprensa londrina, também denuncia os "riscos

significativos" a que foram expostas as tropas britânicas devido a operação "precipitada que careceu

de coerência e recursos". Estas revelações apareceram dois dias dantes de começar as audiências

públicas da investigação parlamentar sobre a participação de Reino Unido na invasão a Iraque.

A análise realizou-se a solicitação de John Chilcot, ex servidor público governamental, para

"identificar as lições que podem aprender do conflito iraquiano", segundo se alegou.

As entrevistas realizadas a militares e civis britânicos vinculados com a incursão bélica de 2003,

corroboram a inexistência de armas de destruição em massa e o suposto vínculo de Bagdá e Hussein

com Al Qaeda e o terrorismo, desculpas esgrimidas pela Casa Branca para perpetrar a guerra.

Blair, por sua vez, em declarações difundidas por meios jornalísticos, negou que o ex fiscal geral,

Peter Goldsmith, fora intimidado depois de advertir sobre a ilegalidade dessa guerra comandada por

Estados Unidos.

Goldsmith, o assessor jurídico a mais alto cargo em 2003, advertiu ao governante em uma carta

datada em julho de 2002 que a invasão a essa nação do Golfo Pérsico para derrubar Saddam

Hussein seria uma grave violação do Direito Internacional e da Carta da ONU.

Blair não somente desconheceu esses conselhos, mas excluiu Goldsmith das reuniões ministeriais

em torno dos assuntos iraquianos.

O ex fiscal, por sua vez, ameaçou renunciar a seu posto, mas foi pressionado para que se retratasse,

modificasse seus "conselhos" e finalmente apoiasse Londres com a invasão ao Iraque.

O general Tim Cross afirmou ter aconselhado ao ex premiê britânico de atrasar a invasão a Iraque

em 2003, ao considerar que Washington não tinha planejado bem o palco da pós guerra.

Explicou que dois dias antes de se iniciar a ocupação do país árabe, em uma mensagem remetida a

Blair em 18 de março de 2003, reiterou a ideia de postergar esta ação depois de constatar que os

preparativos para a posterior reconstrução do Iraque eram "deploráveis" ou simplesmente não

existiam.

Justamente a cumplicidade de Blair com os então governos de Bush e de José María Aznar para a

invasão a Iraque, foi o fator de importância que lhe restou apoio ao ex ministro britânico para

postular-se como presidente estável da União Europeia.

Alemanha e os segredos de Kunduz

Dias após o escândalo desatado na Grã-Bretanha pelas mentiras de Tony Blair sobre a guerra contra

o Iraque, a Alemanha converteu-se na protagonista de novos segredos develados em torno de um

conflito bélico com participação da OTAN.
Nesta ocasião as notícias reviveram o bombardeio na província afegã de Kunduz, ocorrido em 4 de

setembro último.

O jornal alemão Bild publicou um relatório com detalhes sobre a participação de um comando

alemão de operações especiais (KSK) no ataque aéreo que causou cerca de 140 mortos, entre eles,

mais de 70 civis.

Apesar do hermetismo que rondou o relatório da OTAN sobre os acontecimentos de Kunduz,

trascendeu que foi o coronel Georg Klein, ao comando do contingente alemão, que ordenou aos

pilotos estadunidenses o bombardeio contra dois caminhões cisternas sequestrados supostamente

por talibãs.

A fonte acrescenta que o KSK operava no Afeganistão desde 2002 e apesar de ter sido proibido em

outubro de 2008 pelo Bundestag (parlamento), continuou atuando em segredo para apoiar às tropas

aliadas de ocupação, comandadas pelos Estados Unidos e a OTAN desde outubro de 2001.

O então ministro de Defesa, Franz Josef Jung, que renunciou em passado novembro em pleno

escândalo, negou diante dos parlamentares o envolvimento do comando de tropas especiais na

operação de Kunduz, a qual tem tentado minimizar o atual titular na pasta, Karl Theodor zu

Guttenberg.

As revelações de imprensa provocaram do mesmo modo a demissão do chefe do Estado Major do

Exército, Wolfgang Schneiderhahn, e do secretário de Estado de Defesa, Peter Wichert.

Em suas primeiras declarações de 6 de novembro, o novo titular de Defesa afirmou que a atuação

dos militares alemães foi proporcionada e descreveu o ataque da OTAN como adequado.

Depois do aluvião de críticas, Zu Guttenberg modificou sua avaliação no início de dezembro,

quando admitiu que foi desproporcionada.

Assim todos, a oposição integrada pelos social-democratas, Verdes e Die Linke (A Esquerda) o

acusam de mentir e de ocultar os detalhes da atuação do mando alemão nessa operação.

Os políticos opositores atribuem o ocorrido em Kunduz a uma mudança na estratégia do mandato

das tropas alemãs no Afeganistão, dirigida aos assassinatos seletivos de líderes insurgentes, em

coordenação com a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos.

Para esclarecer o caso e em uma tentativa de salvar-se de um descrédito total diante da opinião

pública alemã com menos de três meses de governo na atual legislatura, o governo do chanceler

Angela Merkel criou uma comissão parlamentar a fim de esclarecer o papel de Berlim no

Afeganistão.

Com essas mentiras e segredos, que gerarão mais polêmicas no próximo ano, se fecha uma página

do 2009, mas não o capítulo sobre a incursão europeia no Afeganistão e no Iraque, que promete

recrudecer-se com o envio de mais militares a esses palcos.

(*) A autora é jornalista da Redação Europa da Prensa Latina.

rr/npg

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