domingo, 20 de dezembro de 2009

A hora da verdade

- REFLEXÕES DO FIDEL

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• AS notícias que chegam da capital dinamarquesa refletem o caos. Os anfitriões, após conceberem um evento no qual participariam por volta de 40 mil pessoas, não têm jeito de cumprir sua palavra. Evo, que foi o primeiro dos dois Presidentes da ALBA em chegar, expressou profundas verdades que emanam da cultura milenar de sua raça.

Assegurou, segundo as agências de notícias, que tinha um mandato do povo boliviano no sentido de bloquear qualquer acordo, se o texto final não satisfaz as alternativas. Explicou que a mudança climática não é a causa, mas sim o efeito, que éramos obrigados a defender os direitos da Mãe Terra, frente a um modelo de desenvolvimento capitalista, a cultura da vida frente à cultura da morte. Falou da dívida climática que os países ricos devem pagar aos países pobres, e devolver-lhes o espaço atmosférico arrebatado.

Qualificou de ridícula a soma de US$ 10 bilhões anuais, oferecidos até o ano 2012, quando na realidade são precisos bilhões cada ano, e acusou os Estados Unidos de gastarem trilhões exportando o terrorismo a Iraque e ao Afeganistão, e criarem bases militares na América Latina.

O Presidente da República Bolivariana da Venezuela falou no dia 16 na Cúpula, às 8h40, hora de Cuba. Pronunciou um discurso brilhante, que foi muito aplaudido. Os seus parágrafos eram lapidários.

Impugnando um documento proposto à Cúpula pela Ministra dinamarquesa, a qual presidia a Conferência, expressou:

"...é um texto que vem do nada, não aceitaremos nenhum texto que não venha dos grupos de trabalho, que são os textos legítimos que estiveram sendo negociados nestes dois anos".

"Há um grupo de países que se acham superiores a nós os do Sul, os do Terceiro Mundo..."

"...não nos estranhemos, não há democracia, estamos diante de uma ditadura".

"...vinha lendo algumas consignas que há nas ruas, pintadas pelos jovens... Uma: ‘não mudem o clima, mudem o sistema’... Outra: ‘se o clima fosse um banco, já o teriam salvado.’"

"Obama [...] recebeu o prêmio Nobel da Paz no mesmo dia em que enviou 30 mil soldados a matar inocentes no Afeganistão".

"Apoio o critério dos representantes das delegações do Brasil, Bolívia, China, só queria apoiar [...] mas não me permitiram usar da palavra..."

"Os ricos estão destruindo o planeta, será que vão embora para outro, após destruírem este?"

"...a mudança climática é, sem dúvida, o problema ambiental mais devastador deste século."

"...Os Estados Unidos têm, ao todo, 300 milhões de habitantes; China tem quase cinco vezes mais população que os Estados Unidos. Estados Unidos consomem mais de 20 milhões de barris diários de petróleo; China chega, apenas, a cinco ou seis milhões de barris diários. Não se pode pedir o mesmo aos Estados Unidos do que à China."

"...reduzir a emissão de gases poluentes e conseguir um acordo de cooperação a longo prazo [...] parece ter fracassado, por agora. Qual a razão? [...] a atitude irresponsável e a falta de vontade política das nações mais poderosas do planeta."

"...o abismo que separa os países ricos e pobres não deixou de crescer, apesar de todas estas cúpulas e das promessas descumpridas, e o mundo segue sua marcha destrutiva."

"...O ingresso total dos 500 indivíduos mais ricos do mundo é superior ao ingresso dos 416 milhões de pessoas mais pobres."

"A mortalidade infantil é de 47 mortes em cada 1.000 nascidos vivos, mas nos países ricos é de só 5."

"...até quando vamos permitir que continuem morrendo milhões de crianças por doenças curáveis?"

"Há 2,6 bilhões de pessoas que vivem sem serviços de saneamento."

"O brasileiro Leonardo Boff escreveu: ‘Os mais fortes sobrevivem sobre as cinzas dos mais fracos.’"

"Jean Jacob Rousseau dizia... ‘Entre o forte e o fraco a liberdade oprime.’ Por isso é que o império fala de liberdade, é a liberdade para oprimir, para invadir, para assassinar, para aniquilar, para explorar, essa é que é sua liberdade. E Rousseau acrescenta a frase salvadora: ‘Só a Lei liberta.’"

"Até quando vamos permitir conflitos armados que massacram milhões de seres humanos inocentes, com o fim de os poderosos se apropriarem dos recursos de outros povos?"

"Há quase dois séculos, um libertador universal, Simón Bolívar disse: ‘Se a natureza se opõe, lutaremos contra ela e faremos com que nos obedeça.’"

"Este planeta viveu bilhões de anos sem nós, sem a espécie humana; nós não fazemos falta para que ele exista, mas nós sem a Terra não vivemos..."

Evo falou na manhã de hoje, quinta-feira. Seu discurso também será inesquecível.

"Desejo expressar nossa moléstia pela desorganização e pelas dilações que existem neste evento internacional...", disse com franqueza ao início de suas palavras.

Suas ideias básicas:

"Quando perguntamos que acontece com os anfitriões, [...] dizem-nos que são as Nações Unidas; quando perguntamos o que acontece com as Nações Unidas, dizem que é a Dinamarca, e não sabemos quem desorganiza este evento internacional..."

"...estou muito surpreendido porque somente tratam dos efeitos e não das causas da mudança climática."

"Se nós não identificamos de onde vem a destruição do meio ambiente [...] com certeza nunca vamos resolver este problema..."

"...estão no centro do debate duas culturas: a cultura da vida e a cultura da morte; a cultura da morte, que é o capitalismo. Nós, os povos indígenas, dizemos, é o viver melhor, melhor a custa do outro."

"...explorando o outro, saqueando os recursos naturais, violando a Mãe Terra, privatizando os serviços básicos..."

"...viver bem é viver em solidariedade, em igualdade, em complementaridade, em reciprocidade..."

"Estas duas formas de existência, estas duas culturas da vida estão no centro do debate ao falarmos da mudança climática, e se não decidimos qual é a melhor forma de existência ou de vida, com certeza nunca vamos resolver este tema, porque temos problemas de vida: o luxo, o consumismo que faz dano à humanidade, e não queremos dizer a verdade neste tipo de eventos internacionais."

"...dentro da nossa forma de viver, o fato de não mentir é algo sagrado, e isso não se pratica cá."

"...na Constituição está a ama sua, ama llulla, ama quella: não roubar, não mentir, nem ser frouxos."

"...a Mãe Terra ou a Natureza existe e existirá sem o ser humano; mas o ser humano não pode viver sem o planeta Terra, e, portanto, é nossa obrigação defendermos o direito da Mãe Terra."

"...saudo as Nações Unidas, que neste ano, por fim, declararam o Dia Internacional da Mãe Terra."

"...a mãe é algo sagrado, a mãe é nossa vida; a mãe não pode ser alugada, nem se vende nem se viola, é preciso respeitá-la."

"Temos profundas diferenças com o modelo ocidental, e isso está em debate neste momento."

"Estamos na Europa, vocês sabem que muitas famílias bolivianas, famílias latino-americanas vêm à Europa. Para que vêm cá? Para melhorarem suas condições de vida. Na Bolívia, podiam estar ganhando 100, 200 dólares mensais, mas essa família, essa pessoa vem cá cuidar um avô europeu, uma avó européia e ao mês obtém 1.000 euros."

"Estas são as assimetrias que temos de continente a continente, e somos obrigados a debater como buscar certo equilíbrio, [...] reduzindo estas profundas assimetrias de família a família, de país a país e, designadamente, de continente a continente."

"Quando [...] nossas irmãs e irmãos vêm cá para sobreviverem ou para melhorarem suas condições de vida, são expulsos, existem esses documentos chamados de retorno [...] mas antes, quando os avôs europeus chegaram à América Latina nunca foram expulsos. Minhas famílias, meus irmãos não vêm cá assenhorear-se de minas, nem têm milhares de hectares para serem latifundiários. Antigamente, não existiam nem vistos nem passaportes para os que chegavam a Abjá Jála, agora chamada América."

"...se não reconhecemos o direito da Mãe Terra, vamos estar falando em vão de US$ 10 bilhões, de US$ 100 bilhões, o que é uma ofensa para a humanidade."

"...os países ricos devem acolher todos os imigrantes que sejam afetados pela mudança climática e não devolvê-los a seus países, como estão fazendo neste momento..."

"...nossa obrigação é salvarmos toda a humanidade e não metade da humanidade."

"...a ALCA, Área de Livre Comércio nas Américas. [...] não é Área de Livre Comércio nas Américas, é uma área de livre colonização nas Américas..."

Entre as perguntas que Evo sugeria para um referendo mundial sobre a mudança climática estavam:

"...Você concorda em restabelecer a harmonia com a natureza, reconhecendo os direitos da Mãe Terra?..."

"...Você concorda em mudar este modelo de consumo excessivo e de esbanjamento, que é o sistema capitalista?..."

"...Você concorda em que os países desenvolvidos reduzam e reabsorvam suas emissões de gases que provocam o efeito estufa?..."

"...Você concorda em transferir tudo o que se gasta nas guerras e em destinar um orçamento superior ao orçamento de defesa para a mudança climática?..."

Como se conhece, na cidade japonesa de Kyoto, no ano 1997, foi assinado o Convênio das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que obrigava 38 países industrializados a reduzirem suas emissões de gases que provocam o efeito estufa, numa determinada porcentagem com relação aos emitidos em 1990. Os países da União Europeia se comprometeram a reduzir 8%, e entrou em vigor no ano 2005, quando a maioria dos países assinantes já o tinham ratificado. George W. Bush, então presidente dos Estados Unidos —o maior emissor de gases poluentes, responsável pela quarta parte do total destes—, tinha rejeitado o acordo, desde meados de 2001.

Os demais membros das Nações Unidas seguiram em frente. Os centros de pesquisas continuaram sua tarefa. Torna-se já evidente que uma grande catástrofe ameaça nossa espécie. Talvez o pior seja que o egoísmo cego de uma minoria privilegiada e rica pretenda jogar o peso dos sacrifícios necessários na imensa maioria dos habitantes do planeta.

Essa contradição se reflete em Copenhague. Lá, milhares de pessoas estão defendendo com grande firmeza seus pontos de vista.

A força pública dinamarquesa utiliza métodos brutais para esmagar a resistência; muitos dos que protestam são postos em prisão preventiva. Comuniquei-me com nosso chanceler Bruno Rodríguez, que estava num ato de solidariedade na capital de Copenhague, junto de Chávez, Evo, Lazo e outros representantes da ALBA. Perguntei-lhe quem estava sendo reprimido com tanto ódio pela polícia dinamarquesa, que lhe torcia os braços e lhe batia repetidamente pelas costas. Respondeu-me que eram cidadãos dinamarqueses e de outras nações europeias e membros dos movimentos sociais que exigiam da Cúpula uma solução real, agora, para enfrentar a mudança climática. Disse-me, aliás, que à meia-noite continuariam os debates da Cúpula. Quando falei com ele já era de noite na Dinamarca. A diferença é de seis horas.

Da capital dinamarquesa, nossos companheiros informaram que o de amanhã, sexta-feira, 18, será pior. Às 10h da manhã, a Cúpula das Nações Unidas será suspensa durante duas horas e o chefe de Governo da Dinamarca terá um encontro com 20 chefes de Estado convidados por ele, para discutirem com Obama "problemas globais". Assim será denominada a reunião, cujo objetivo é impor um acordo sobre a mudança climática.

Embora na reunião estejam participando todas as delegações oficiais, só poderão opinar "os convidados". Naturalmente, nem Chávez nem Evo se encontram entre os que podem emitir sua opinião. A ideia é que o ilustre prêmio Nobel possa pronunciar seu discurso pré-elaborado, precedido pela decisão, que será adotada nessa reunião, de transferir o acordo para fins do ano próximo na Cidade do México. Aos movimentos sociais não se permitirá estarem presentes. Depois desse show, no salão principal do evento prosseguirá a "Cúpula" até o seu inglorioso encerramento.

Como a televisão transmitiu as imagens, o mundo pôde contemplar os métodos fascistas empregues em Copenhague contra as pessoas. Jovens na imensa maioria, os manifestantes reprimidos ganharam a solidariedade dos povos.

Para os chefes do império, apesar de suas manobras e suas cínicas mentiras, está chegando a hora da verdade. Seus próprios aliados acreditam cada vez menos neles. No México, em Copenhague ou em qualquer outro país do mundo, encontrarão a resistência crescente dos povos, que não perderam a esperança de sobreviver.



Fidel Castro Ruz

Dezembro 17 de 2009

18h46 •

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