sábado, 13 de fevereiro de 2010

Haiti, sem chocolates, mas com amor

Por Enrique Torres, enviado especial

Porto Príncipe, 13 fev (Prensa Latina)

Para a maioria dos namorados no Haiti neste dia do amor não terá chocolates, a tradição ficou para eles silenciada depois da tragédia e terão que aguardar por tempos melhores.

O feriado, considerado em várias partes do globo também o dia da amizade, não ficou isento de celebrações aqui, apesar de ter por palco o país mais pobre do continente americano, e um dos mais atrasados do mundo.

No meio das penúrias habituais, o haitiano comum inventava para dar-lhe um toque de festividade ao 14 de fevereiro, seja em casal ou em família, e a caixa de bombons não faltava.

No entanto, o terremoto de 12 de janeiro, em aproximadamente um minuto, sepultou vidas, sonhos, anseios, edifícios e casas, incluídos os lugares íntimos em que os casais consumavam o seu amor.

Agora, quando multidões vivem nos parques, em muitos casos apenas protegidas por armações de madeira e nylon, alguns recordando os que morreram, e outros pensando no que dar de comer aos filhos, não existem espaços para festividades.

Assim pensam muitos, entre eles Abraham Bazelais, quem junto a sua família trata de subsistir em uma improvisada palhoça na praça Champs de Mars depois de perder praticamente todos seus bens por causa do terremoto.

Bazelais trabalhava como estivador na linha aérea Tortug´air, e residia na zona de Centre Ville, Porto Príncipe, em condições materiais decorosas.

Graças ao trabalho, podia dispor de uma casa, na qual vivia com sua esposa Carte Sherley e quatro filhos, duas meninas e dois meninos.

Por sorte, no dia do terremoto nenhum estava embaixo daquele teto, que desabou em segundos.

"As condições em que vivemos não podem ser comparadas com as de antes, agora são muito críticas, muito duras, porque tínhamos uma casa bem bonita, e agora não temos nem uma cama para nos deitar", comentou Bazelais à Prensa Latina.

O carismático haitiano disse-nos que para piorar, sua esposa está convalecente de febre, vômitos e diarréias, e dormindo sobre o cimento.

"Agora estou sem trabalho, não temos nada, só tem chegado como doação água, somente uma vez nos deram tickets para comida, agora vivemos da caridade, do que se compartilha aqui entre as pessoas", assinalou.

Seus bens ficaram reduzidos a um banquinho, uma bacia, duas tigelas, umas poucas mantas, poucas mudas de roupa e alguns utensílios de cozinha, todos ordenados no lugar que agora é sua nova casa, um esqueleto de madeira revestido com velhos cobertores e cortinas.

Entre paredes de teia, em um espaço que não ultrapassa os dois metros quadrados e sobre a Champs de Mars dorme Bazelais com seus quatro filhos e sua esposa, para os quais neste ano não haverá chocolates no dia do amor.

A uns centímetros, só separados por uma parede de cobertor, vivem mais três famílias que se conheceram no dia da tragédia, e que se protegem do sol e da chuva graças a um nylon que ataram de seu enxoval.

"Antes não nos conhecíamos, e temos formado uma grande família, compartilhamos tudo, alguns às vezes até dormem por um momento aí dentro", disse apontando para seu diminuto abrigo.

Em outra zona da capital, na Boule, na altura de Kenkoff, a história do casal de Pierre Yuekner e Guerline Joseph também lhes impede fazer de 14 de fevereiro um dia de festividade.

Sua casa ficou totalmente interditada, com risco de desabamento, razão pela qual ambos pernoitam embaixo de um nylon, igual a outros vizinhos da localidade.

Nos dias dos namorados ela preferia sair para passear a algum lugar onde pudesse dançar Kompa, um gênero musical original daqui, que apareceu nos anos 50.

Desfrutar desse ritmo, que utiliza o folklore haitiano como base, misturado com elementos do merengue dominicano, o jazz, inclusive o som cubano, alguns ritmos africanos, o hip-hop e o reggae, é para Joseph um dos melhores presentes, e "com bombons o melhor", expressou.

Mas neste dia dos namorados não tem idéia do que farão, não podem dedicar dinheiro à festividade, o pouco existente, graças a que o jovem Yuekner conserva seu trabalho como guarda de segurança, devem dedicar a outra prioridades, entre estas os quatro filhos a manter.

14 de fevereiro coincide com o terceiro dia de vigília no Haiti pelas vítimas do terremoto, dia em que se ora também por um melhor porvir para os sobrevivientes, e para que prevaleça o amor.

rc/et/cc

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