sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Vieques, um novo olhar

Gustavo Robreño Díaz (*)

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Havana,

Havana, (Prensa Latina) Ao longo de toda sua historia, a ilha de Porto Rico foi cobiçada, fundamentalmente, como um bastião militar.



Sua privilegiada posição geográfica facilitou, primeiro aos espanhóis e depois aos estadunidenses, resguardar as rotas marítimas que garantem o tráfego para -e da- América do Sul, América Central e o mar do Caribe.



Em 3 de julho de 1898, em uma batalha suicida, a esquadra espanhola do almirante Cervera zarpou para ser afundada em frente a Santiago de Cuba, importante praça do oriente cubano que capitulou finalmente 13 dias depois.



Ocupada Cuba, não era interesse dos Estados Unidos -nem tampouco da Espanha-, mal gastar recursos na disputa pela vizinha ilha, pelo que no Armistício que estabelecia o cessar das hostilidades em Cuba -assinado em 12 de agosto de 1898- se incluiu a Porto Rico.



A partir desse momento a terra borícua transformou-se em centro para o treinamento de tropas e polígono para a realização de provas com armamentos de todo tipo, incluídas munições químicas e biológicas, por parte das Forças Armadas dos Estados Unidos.



Em função disso, Estados Unidos erigiu em Porto Rico um vasto sistema de instalações militares que, de conjunto, somava não menos de 200 quilômetros quadrados.



Como se tudo isso fosse insuficiente, durante os anos da Segunda Guerra Mundial, a Marinha dos Estados Unidos usurpou, também, as três quartas partes da Ilha de Vieques, 111 quilômetros a Sudeste de Porto Rico.





Ruína ecológica



A partir de então, a utilização com fins militares do céu, o mar e a terra de Vieques, reafirmou o caráter colonial da pretendida "livre associação" de Porto Rico e causou ali danos irreparáveis para a vida.

Antes que a Armada estadunidense se estabelecesse naqueles lugares, a economia de Vieques dependia fundamentalmente da pesca, favorecida por sua posição geográfica, justo no leito de uma importante corrente marinha que flui deste o oeste.



Sobressaía a fertilidade de seus solos e a abundância de água.



O cultivo da cana de açúcar conseguiu níveis tais que possibilitou o estabelecimento de quatro centrais açucareiros, ao mesmo tempo em que proliferavam a pecuária e os frutos menores.



No entanto, a esse paradisíaco ambiente seguiram mais de 60 anos de contínuos bombardeios de aviões ou navios, anfíbios e testes com novos armamentos e produtos químicos, tais como, munições revestidas com urânio empobrecido, Napalm e Agente Laranja.



Como para envenenar a perpetuidade o ecossistema de Vieques, em seus mal 135 quilômetros quadrados de superfície se estabeleceram quatro depósitos "oficiais" de desperdícios militares, ainda que cidadãos assegurem que tinha outros clandestinos.



A partir de 1999, intensificou-se a luta do povo porto-riquenho por expulsar à marinha norte-americana de Vieques.



Multiplicaram-se as manifestações e atos de desobediência civil, que concluíram com a saída norte-americana no ano 2004.



Tanto imóveis como espaços abertos passaram a mãos do Serviço de Pesca e Vida Silvestre do Departamento do Interior dos Estados Unidos, que se encarregaria do saneamento e dês-minado, como passo prévio a seu emprego por parte das autoridades locais.



Por aqueles dias, em um controvertido ditame, a Agência de Substâncias Tóxicas e Registro de Doenças do governo estadunidense asseguraram que mais de meio século de manobras militares em Vieques não tinha gerado "riscos sanitários".



Disse-se então que pode ter "algum dano" somente nas denominadas "Zonas de Influência Real", com o que se pretendia ignorar que os efeitos contaminantes das atividades militares em um ecossistema aberto transcendem artificiais demarcações perimetrais.



No entanto, essa própria agência federal norte-americana informou na passada semana que "modificará suas investigações prévias" de há cinco anos sobre as seqüelas que deixaram nessa ilha as sucessivas manobras e testes bélicos.



Segundo o diretor de dita entidade, Howard Frumkin, identificaram-se "ocos" nos dados ambientais que indicam que não é possível dizer "de forma categórica" que não existem riscos para a saúde em Vieques.



Na opinião de Frumkin, encontraram-se razões para "fazer mais perguntas" e assegurou que a agência que dirige "dará um novo olhar a Vieques".



Reação tardia



A pretendida retificação não é nada inovador nem resultado de conclusões próprias.



Uma investigação realizada no ano 2000 pela organização comunitária porto-riquenha, Casa Povo, assegurava que o dano infringido a Vieques se refletia, tanto na devastação física do território, como no envenenamento de seus recursos.



A pesca, devido à natureza destrutiva das atividades militares, transformou-se em uma escassa captura residual, por demais, dentro de uma área restringida.



Em outrora formosas praias, manguezais, baías protegidas e barreiras coralinas de grande riqueza ecológica, é comum encontrar hoje, desde munições sem explodir, até barcaças afundadas repletas de conteiners com substâncias ainda por determinar.

Os canais naturais que uma vez ligaram lagoas interiores com o mar, foram substituídos por áridos caminhos que facilitavam a deslocação dos transportes e efetivos militares, que variaram por completo o equilíbrio natural na área.



A descomposição de meios de combate, abandonados para ser empregues como alvos durante os exercícios de tiro da aviação e a Marinha, propiciaram a presença de metais pesados no mar, no solo, nas águas interiores e na vegetação de Vieques.



Por exemplo, elevados níveis de arsênico, chumbo, cadmio, níquel e cobalto foram detectados na vegetação, o que evidencia a deslocação destes contaminantes do solo até as plantas.



Também, alertou-se sobre a presença de contaminantes desconhecidos, resultado de testes realizados com armamento não convencional, e cuja composição química não foi revelada pelo Pentágono, sob pretexto serem de interesse "da Segurança Nacional".



Enfim, faz-se justiça aos especialistas porto-riquenhos que, há 10 anos, asseguraram que não bastava a retirada da Armada norte-americana para frear a migração dos contaminantes já vertidos e seu efeito, sobretudo, o ecossistema viequense.



(*) O autor é jornalista, historiador e colaborador da Prensa Latina.



rr/gr/bj

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